Título: Dirceu prepara estratégia de defesa
Autor: Maria Lúcia Delgado e César Felício
Fonte: Valor Econômico, 14/07/2005, Política, p. A6
Crise Ex-ministro procura senadores da comissão e pede que evitem politização da CPI dos Bingos
Preocupado com a possibilidade de se tornar o principal alvo da CPI dos Bingos no Senado, o deputado e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu (PT-SP), já opera uma estratégia prévia de defesa, procurando reservadamente os senadores para conversas. O ex-ministro enfatiza aos parlamentares que a politização da CPI deve ser evitada, pois ele não foi citado nos inquéritos sobre os esquemas que ligam empresários do setor de jogos ao ex-subchefe da Casa Civil, Waldomiro Diniz, e financiamentos de campanhas eleitorais. O argumento usado por Dirceu é que a CPI deve se ater a apurar as relações dos bingos com o crime organizado. A ofensiva já produziu resultados. Na primeira sessão da CPI, ontem, o PSDB protocolou requerimento pedindo a sua convocação, mas o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) - um dos que foi procurado por Dirceu - reagiu. "Dirceu pode ser convocado, mas é preciso que surja a razão de sua convocação", argumentou. O requerimento será votado somente na próxima semana. Ontem, a CPI aprovou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Waldomiro. Dirceu conversou com o relator da CPI, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), tem falado com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e busca interlocutores na oposição. Ontem, por exemplo, telefonou para o senador Luiz Otávio (PMDB-PA). No Senado, a avaliação geral é que, com os desdobramentos da CPI, a convocação será inevitável. No entanto, pregam moderação até para não afetar a credibilidade da CPI. A movimentação irritou a oposição e o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) usou a tribuna da Câmara para pedir a cassação do petista. Dirceu reagiu, em um discurso em que nega que o objetivo de sua movimentação seja evitar ser convocado. "Já fui à Corregedoria da Casa e estou acertando com o presidente do Conselho de Ética a minha ida na primeira semana de agosto. Não vou deixar de ir a nenhum foro de investigação porque não devo, nem temo", disse. Garibaldi, entretanto, disse que a eventual convocação de Dirceu foi tema de conversa. "Disse a ele que só será convocado ser for citado e responsabilizado por algo", argumentou o senador. "Não ficou evidenciada a necessidade de convocação. Nem descartada", disse ontem o relator, depois do depoimento do empresário de loterias eletrônicas, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que isentou Dirceu de qualquer responsabilidade. Quem intermediou o contato com o relator foi o líder do PMDB, Ney Suassuna (PB). Ontem, no primeiro depoimento à CPI, Cachoeira isentou o PT e o governo de qualquer culpa pela cobrança de propina feita pelo ex-assessor de Dirceu, Waldomiro Diniz, divulgada no ano passado. Acusador de Waldomiro e responsável pela gravação, Cachoeira afirmou que não conhece e jamais conversou com Waldomiro sobre nenhum dos protagonistas do escândalo do mensalão: o publicitário Marcos Valério, os ex-dirigentes petistas Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Marcelo Sereno, além de Dirceu. "Acredito que Waldomiro sempre agiu em nome próprio", afirmou Cachoeira. Na gravação, feita em 2002, mas exibida em fevereiro de 2004 no "Jornal Nacional", Waldomiro, então presidente da Loterj, pede recursos para si e para as candidatas ao governo do Rio - Benedita da Silva e Rosinha Matheus. Em troca, modificaria um edital de licitação, impedindo que uma outra empresa que pretendia explorar jogos não entrasse no mercado de loterias em tempo real, área exclusiva de Cachoeira. Segundo Cachoeira, a propina não foi paga, o edital não foi modificado e o empresário perdeu a exclusividade. No depoimento, Cachoeira procurou com tal empenho circunscrever as denúncias a Waldomiro que até opinou que Benedita e Rosinha deveriam estar tendo o seu nome usado no episódio. "Nunca acreditei que aquele dinheiro ia para campanha", afirmou. Com Waldomiro, foi duro: "Nunca tive conversa com ele que não terminasse com pedido de propina". O empresário confirmou que intermediou um encontro entre Waldomiro e executivos da GTech, que detinha o contrato de loterias com a Caixa Econômica Federal e lutava para renová-lo em janeiro de 2003. O encontro, marcado a pedido da GTech, de acordo com Cachoeira, aconteceu no mês seguinte, no Hotel Blue Tree em Brasília. O que intrigou os parlamentares é que tudo ocorreu após Cachoeira ter se negado a pagar propina a Waldomiro. Segundo Cachoeira, não houve conversa sobre a licitação e o nome de Dirceu não foi usado, apesar de Waldomiro ser seu assessor direto na época. No dia do encontro, relatou Cachoeira, o então presidente do PT, José Genoino, estava no Blue Tree. "Senti que Waldomiro deu uma retraída", disse Cachoeira. Na próxima semana, a CPI dos Bingos ouvirá os depoimentos de José Vicente Brizola e de procuradores que investigam as ligações do jogo do bicho com esquemas de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.