Título: "O Brasil não merece tudo isso que está acontecendo", diz Lula em Paris
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 15/07/2005, Política, p. A5

Num intervalo entre as celebrações e as homenagens a que se dedicou e que recebeu em Paris, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o primeiro - e breve - comentário sobre a crise política do governo: "O Brasil não merece tudo isso que está acontecendo. Merece coisa muito melhor", disse o presidente, ao ser abordado por jornalistas à saída do centro de arte brasileira no Carreau du Temple. Lula calou ao ser perguntado sobre a inclusão do nome de seu filho Fábio nas denúncias, mas demonstrou satisfação com sua temporada parisiense: "A França está nos tratando com muita dignidade", disse ."Me agradou muito". Muito embora jornais franceses tenham destacado que o Lula celebrado em Paris era um Lula fragilizado em Brasília, de fato o presidente não tem de que reclamar em relação ao tratamento recebido em uma viagem que encerra, hoje, com a assinaturas de acordos no Palácio do Eliseu. "A viagem foi um êxito, a consagração de Lula como um líder internacional, que representa um pensamento de reforma democrática", avaliou o chanceler Celso Amorim. O presidente francês, Jacques Chirac, destacou a maneira como o brasileiro foi recebido num show de artistas brasileiros e no desfile militar de 14 de julho, a data nacional da França, como demonstração da consideração entre os dois povos. "Vamos avançar", disse Chirac, na recepção que ofereceu nos jardins do Eliseu, após o desfile, ao falar sobre uma proposta cara a Lula, a criação de um fundo internacional de combate à pobreza. No show, anteontem à noite, Lula na realidade foi ovacionado. Na recepção de Chirac, foi aplaudido por cerca de seis mil convidados. À tarde, emocionou-se ao ouvir Elba Ramalho cantar, no Espaço Brasil, montado no Carreau du Temple, os versos de Ari Barroso em "Sandália de Prata": "É também um pouco de uma raça/ que não tem medo de fumaça, ai, ai/ que não se entrega não". Os olhos marejaram. Alguns convidados do presidente em Paris acham que ele está cansado - o que o próprio Lula reconhece; outros, que está fragilizado emocionalmente. O presidente cumprimentou os jornalistas ao deixar o Carreau de Temple, mas tentou evitar as perguntas. Até que a segurança, rigorosa durante toda a viagem, cochilou e permitiu a aproximação de um repórter da Bandnews que perguntou se ele estava chateado com o que acontecia no Brasil. "Crises são comuns em democracias. O que testa uma democracia é a capacidade de enfrentá-las e superá-las. E nós estamos superando", disse o chanceler Celso Amorim, ao ser questionado sobre se a crise afetara o prestígio internacional de Lula. A crise, na realidade, deixou perplexos os partidos no mundo afinados com o PT. O assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, foi contatado pela Frente Ampla do Uruguai, os sandinistas da Nicarágua, a Frente Farabundo Marti, de El Salvador, e o PRD mexicano. Todos queriam informações sobre o que se passa no Brasil. A todos o assessor respondeu que a situação "é difícil", há um volume muito grande de denúncias que estão sendo investigadas, algumas delas por inciativa de órgãos oficiais, como a Polícia Federal e o Ministério Público. "Sempre afeta um pouco a imagem (do governo), mas a forma franca como estamos enfrentando o assunto vai ajudar a resolver a situação", diz Marco Aurélio Garcia. Para o assessor, o PT foi "vacinado contra problemas deste tipo. Mas não basta ser vacinado, às vezes se é vacinado tarde. Serve para o futuro. Para resolver, é preciso saber qual é a extensão desse passivo". Marco Aurélio foi um dos articuladores da mudança de comando no PT. Ele esteve cotado para assumir o lugar de José Genoino , mas no final a escolha recaiu sobre o ministro da Educação, Tarso Genro. "O Tarso vai ajudar a dar uma vértebra para o PT", acredita Celso Amorim. O assessor internacional, por outro lado, diz que a legenda deixa de ser um partido fragilizado e passa a ser um partido reforçado" com capacidade inclusive para alguns "tipos de comportamento" que julga "inaceitáveis". A quebra de sigilos na CPI dos Correios, por exemplo, antes mesmo de a pessoa ser ouvida. "O PT estava tonto", diz. Para Marco Aurélio, o governo agora "tem de governar. Se ficar pensando em responder à denúncia do dia, está frito". Celso Amorim vai na mesma linha, como se o discurso fosse ensaiado: "Eu não sou do PT, mas me permito dizer isso: a crise está sendo enfrentada de forma correta. O governo está deixando investigar tudo e até promovendo a investigação". Além disso, acentua Amorim, "mesmo sem fazer julgamentos, o PT está mudando os quadros. É uma questão política. Tinha de ser enfrentada e está sendo enfrentada". A comitiva do presidente em Paris comemorou o fato de nenhuma nova denúncia ter aparecido durante a viagem. O assunto brasileiro que mais interessou assessores e jornalistas foi a prisão dos sócios da Daslu. Até mesmo a demissão do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Mauro Marcelo, foi bem administrada: o vice-presidente José Alencar telefonou para Lula, de Brasília, e acertou com o presidente a exoneração do assessor, que chamara de "bestas-feras" os integrantes da CPI dos Correios. O presidente embarca de volta hoje ao Brasil após assinar acordos para a construção de uma ponte sobre o rio Oiapoque (AP), que estabelecerá uma ligação terrestre entre o Brasil e o território francês da Guiana, além de outros nas áreas militar e de ciência e tecnologia. O comunicado conjunto deve destacar a proposta de criação do fundo mundial de combate à pobreza. Ontem, Lula acompanho o desfile de comemoração do 14 de Julho, aberta por mais de 140 militares brasileiros, entre fuzileiros navais e alunos da Academia Militar de Agulhas Negras. Depois da passagem de tropas francesas, o desfile foi encerrado com a apresentação de sete aviões tucanos da Esquadrilha da Fumaça. O 14 de Julho é a data da tomada da Bastilha, uma antiga prisão de Paris, em 1789, quando caiu o sistema de monarquia absolutista. Lula foi convidado pelo presidente francês, Jacques Chirac, para acompanhar o evento. À noite, Lula participou da cerimônia da queima de fogos de artifícios na torre Eiffel. "Foi um momento de extraordinária emoção", resumiu o presidente, ao sair.