Título: Lei de Informática gera pressão sobre múltis
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2005, Brasil, p. A3

Tecnologia Estrangeiros dominam lista de empresas cobradas por ministério por não cumprir exigência legal

Algumas das maiores companhias multinacionais com negócios no país entraram na lista de devedores do Ministério da Ciência e Tecnologia, que neste ano decidiu cobrar empresas que não fizeram investimentos exigidos como contrapartida dos benefícios da Lei de Informática. A lei concede incentivos fiscais para fabricantes de computadores, aparelhos eletrônicos e equipamentos para telecomunicações. Gigantes como a IBM, a Siemens e a Ericsson estão na lista de devedores. Fornecedores que faturaram milhões de reais com a expansão das telecomunicações nos últimos anos, como a Alcatel, a Lucent e a Nortel, também. Indústrias como a Celestica, a Flextronics e a Solectron, que produzem sob encomenda aparelhos de marcas conhecidas, também receberam cobranças de Brasília. Para o ministério, essas empresas não realizaram todos os investimentos em pesquisa e desenvolvimento que deveriam ter feito para cumprir as exigências da Lei de Informática. A lei torna os produtos dessas empresas mais competitivos ao reduzir suas alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Nos últimos meses, o ministério enviou à Receita Federal relatórios sobre 52 empresas que recebem os incentivos da lei mas não fizeram todos os investimentos exigidos, na sua avaliação. A lei diz que as empresas que não cumprem essa exigência podem ser obrigadas a devolver aos cofres públicos o benefício recebido. Foi por isso que os relatórios foram encaminhados à Receita. Segundo o ministério, essas companhias acumularam dívidas de R$ 501 milhões em investimentos não realizados entre 1997 e 2001. O Valor obteve uma lista com os nomes dessas empresas e procurou todas nas últimas semanas. A maioria não quis se manifestar e algumas só aceitaram discutir o assunto com a condição de que seus representantes não fossem identificados. Elas atribuem parte dos problemas ao próprio ministério, que tem levado anos para avaliar os relatórios em que as empresas prestam contas sobre seus investimentos em pesquisa. Além de lenta, a burocracia é confusa, segundo as empresas. Novas exigências surgem no meio da análise dos relatórios e funcionários envolvidos com a área são substituídos sem concluir o trabalho. Companhias como a Siemens e a Nortel têm contabilizado investimentos em pesquisa em valores superiores ao mínimo exigido pela legislação, mas viraram alvo de cobranças por causa de divergências pontuais. "Os critérios adotados na análise dos relatórios nem sempre são claros e às vezes é difícil saber o que é aceito pelo governo", diz o diretor-geral da Celestica, Ricardo Battaglia. A desorganização é tanta que uma das empresas da lista de devedores recentemente enviou um relatório atualizando informações e pouco depois recebeu do ministério um pedido de esclarecimentos sobre o relatório antigo. Erros de digitação e informações difíceis de recuperar, como documentos de pesquisadores contratados na década passada, também geraram cobranças. Muitos problemas têm origem em parcerias das empresas com universidades e centros de pesquisa. A Lei de Informática exige que parte dos investimentos das empresas seja realizada em institutos fora da companhia, mas só recentemente o ministério passou a examinar com mais cuidado a qualificação dessas instituições. Somente projetos realizados por institutos previamente credenciados pelo governo são aceitos pelo ministério agora. A fabricante de microcomputadores Novadata entrou na lista de devedores porque um instituto que ela contratou não conseguiu comprovar despesas no valor de R$ 2,8 milhões e teve problemas com o ministério. A empresa havia trabalhado antes com o mesmo instituto sem que seus relatórios tivessem reparos. No caso da Waytec, um fabricante de monitores de vídeo, despesas com serviços de consultoria usados por uma faculdade mineira que a empresa contratou não foram aceitas. "Por algum motivo que não entendi bem, essas despesas só poderiam ser contabilizadas como investimentos internos da companhia", afirma o diretor financeiro, Carlos Antônio Garcia Rodrigues. Estatísticas oficiais mostram como o processo de análise dos relatórios é tortuoso. A maior parte das despesas consideradas inadequadas no início do exame é aceita mais tarde, depois que o ministério recebe justificativas das empresas. Nos relatórios de 1999, por exemplo, 33% dos investimentos foram rejeitados na primeira etapa da análise. A avaliação final considerou inadequadas apenas 9% das despesas. "Nosso sistema de avaliação tem muitas falhas que estamos corrigindo, mas isso não significa que as análises feitas até agora estejam erradas", diz o secretário de Política de Informática do ministério, Marcelo Lopes. Ele decidiu endurecer com as indústrias assim que assumiu o cargo, em março. O ministério não discute casos individuais das empresas. Todos os relatórios em que foram encontradas irregularidades foram encaminhados à Receita, mesmo nos casos em que os valores eram irrelevantes. As empresas foram pegas de surpresa pela iniciativa do ministério. Algumas estavam negociando a regularização de suas pendências. Outras, como a Digitel e a Dimep, dizem que sequer sabem por que motivo estão sendo cobradas. As conseqüências para as empresas ainda são incertas. As que não fizeram todos os investimentos poderão pagar suas dívidas em até 48 parcelas, mas as regras para fazer isso não foram definidas pelo governo. A possibilidade de que alguém seja obrigado a recolher à Receita os benefícios fiscais recebidos parece remota. O fisco avisou ao ministério que os casos apresentados são muito antigos para que ele cobre as empresas.