Título: Depoimentos aumentam tensão no Planalto
Autor: Maria Lúcia Delgado e Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2005, Política, p. A4

Crise Análise de movimentações financeiras de Marcos Valério preocupam parlamentares envolvidos na investigação

Políticos envolvidos nas investigações esperam o recrudescimento, nesta semana, da crise que se instalou no país , devido à análise aprofundada, pela CPI Mista dos Correios, dos sigilos bancário, telefônico e fiscal do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e das suas movimentações financeiras de todas as agências e bancos mas, sobretudo, da agência do Banco Rural do Brasília Shopping, onde supõe-se que era pago o mensalão do PT aos deputados do PT, do PL e do PP. A piorar a situação, nesses próximos três dias estão marcados os depoimentos de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, no dia 20, e Silvio Pereira, ex-secretário geral do partido, no dia 19, na CPI dos Correios. Entre os parlamentares, aumentam o nervosismo e a sensação de que a semana terá altíssima temperatura. Valério e Delúbio estão dando a mesma versão para a intensa e volumosa movimentação de dinheiro - a dos empréstimos bancários - mas, acreditam os políticos, uma coisa é o depoimento reservado ao Ministério Público, outra a inquirição política na CPI. Outro elemento que agrava o quadro é a tentativa de Marcos Valério de negociar com o Ministério Público Federal a delação premiada - possibilidade de redução de pena em troca de contribuição com a Justiça. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, informou que não aceitou a proposta, mas Valério deve insistir, agora junto à CPI, porque o acordo funciona como uma ameaça a todos os envolvidos no esquema. "O momento é nervoso. O homem-bomba não é o Delúbio, mas o Valério", disse o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). "Se houver fatos novos a serem revelados, é importante que Marcos Valério diga tudo o que sabe para que possamos chegar ao fundo do poço. Acho que ele deve se beneficiar da delação premiada. Está claro que mentiu à CPI", analisou o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), um dos membros da CPI dos Correios. O clima é de apreensão entre os petistas. Políticos próximos ao ex-secretário-geral da legenda confessam que ele está psicologicamente alterado. Silvinho, como é chamado entre os petistas, é conhecido no partido pela retórica atabalhoada. "Podemos esperar grandes lances na CPI com o depoimento dele", admitiu um petista. Antes mesmo de se afastar do partido, Pereira já vinha dizendo que poderia não resistir e, se ficasse isolado, reagiria. Outro petista que se sente isolado é José Genoino. Ele telefonou na semana passada para velhos amigos parlamentares, como o senador tucano Arthur Virgílio (AM). O ex-presidente do PT disse que não vai dar motivo para que os amigos tenham vergonha dele. As seções do PSDB e do PMDB de Minas Gerais que, segundo as informações que chegaram à CPI, podem ver-se envolvidas com os negócios de Valério, recolheram-se à total discrição. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), já telefonou a correligionários e disse que não tem nada a temer. "Podem acelerar as investigações. Meu nome aparece na agenda de Valério, e de fato o recebi. Isso é prova de que a agenda é verdadeira", teria dito Aécio a senadores e deputados do partido. O governador teve encontros com Valério, mas nega ligação ilícita. Como acréscimo de tensão, passou-se, desde a semana passada, a explorar os indícios de ligação do vice-presidente da República José Alencar, político mineiro que passou pelo PMDB e agora é do PL, com o publicitário. "Lula tenta se ancorar na economia real e no medo que a economia real tem de seu vice", analisa um parlamentar. Aliados do governo vêem o crescimento da tensão entre os petistas do Congresso, mas não no núcleo de poder, do Palácio do Planalto, agora integrado pelos ministros Antonio Palocci (Fazenda), que até tirou uns dias de férias, Márcio Thomaz Bastos (Justiça), e Jaques Wagner (Relações Institucionais). "O Palácio continua paralisado, não orienta sua base, não cuida da situação de ninguém, e não tem idéia da gravidade e extensão da crise", resumiu um aliado do presidente Lula. Nem a chegada das denúncias aos fundos de pensão das estatais, o que pode gerar novas demissões na cúpula do governo, e ao Banco do Brasil, onde o ex- diretor de marketing, Henrique Pizzolatto, afastado semana passada, está tendo que dar explicações sobre seu patrimônio, animaram o governo a reagir e dar explicações. O presidente Lula chegou, no fim de semana, de viagem oficial à França, e deve providenciar, a partir desta segunda, a conclusão da reforma ministerial (falta indicar pelo menos o novo ministro da Previdência) e a orientação para o trabalho da comissão de coordenação política. Essa comissão contará com ministros, como Ciro Gomes e Jaques Wagner, e parlamentares, como Aldo Rebelo e Eduardo Campos, além dos líderes Aloisio Mercadante, Paulo Rocha, Arlindo Chinaglia, os senadores José Sarney e Renan Calheiros, na articulação da defesa do governo no Parlamento. Lula preferiu, com a reforma em curso, ficar mais forte no Congresso do que no Governo, porque acredita que a turbulência maior da crise se dará com os processos de cassação de parlamentares do PT e aliados, além da possibilidade de a crise chegar ao ponto de impelir a oposição a falar novamente em impeachment. A CPI dos Correios vai acelerar seus trabalhos. Começou a suspeitar da demora do Banco Rural em fornecer os relatórios sobre a quebra de sigilo e seu presidente, senador Delcídio Amaral (PT-MS), conversou com o presidente do BC, Henrique Meirelles, sexta feira última, para pedir celeridade no fornecimento dos dados. Incompreensível a lentidão, inaceitáveis as protelações, acreditam os integrantes da CPI, principalmente porque já vão precisar de informações do Rural, sobretudo da agência em Brasília, na argüição a Delúbio Soares e Silvio Pereira. O ex-ministro José Dirceu, embora tenha oferecido sua quebra de sigilo à CPI, tenta evitar sua convocação para depor. Disse recentemente a amigos do PT que, se falar, vai arrastar a República. A esta altura, suas energias ainda estão voltadas para a disputa interna no PT e no governo. Sente-se, como Sílvio e Delúbio, abandonado pelo presidente Lula. O ex-ministro chefe da Casa Civil desfia sua própria história a alguns dos interlocutores desta fase da vida e não se conforma de estar na situação em que, acredita, foi jogado pela circunstância de comandar o PT. "O governo está com medo, e o pior é que já está perdendo o efeito de novidade, antes mesmo de ser concluída, a reforma ministerial", comentou um analista da crise. Já não é unânime, entre as autoridades com acesso ao presidente, a alegação do ministro Palocci de que a crise política ainda não atingiu a economia. Os principais líderes governistas no Congresso acham que, se a crise já não chegou lá, está por pouco. A simples indicação de que Marcos Valério poderia fazer o acordo de troca de informações por redução de pena, por exemplo, derrubou os mercados na sexta-feira.