Título: Lula não consegue disfarçar desconforto
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2005, Política, p. A5

Crise Presidente demonstrou tensão na visita a Paris apesar da forma como foi recebido pelos franceses

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta hoje ao centro da crise, em Brasília, após três dias de viagem a Paris, durante os quais não pode esconder a tensão e o desconforto com a situação política no Brasil. Lula voltou no sábado e recolheu-se em São Bernardo do Campo (SP). Lula poderia ter deixado Paris, como destacaram os jornais, com a confiança do dever cumprido. O Ano do Brasil na França é um sucesso. Mas, na realidade, embarcou na tarde da última sexta-feira, após visita ao museu de Le Bourget, com a certeza de que uma situação bem menos emocionante o esperava no Brasil. Nos três dias em que permaneceu em Paris, Lula escapou de todas as maneiras da situação interna. Um forte esquema de segurança impediu os jornalistas brasileiros de se aproximar. Lula escolheu com quem tratar da crise: com uma emissora européia . Os interlocutores do presidente não tinham dúvidas: o presidente parecia tenso, desconfortável, apesar da recepção festiva que teve das autoridades e intelectuais franceses. A dúvida dos interlocutores do presidente, nesses três dias, que incluiu desde esportistas e artistas e ministros do governo, era se Lula estava cansado, como ele próprio reclamou, ou abatido com a crise política no Brasil. O presidente disse que quase não havia dormido durante viagem de 12 horas entre Brasília e Paris e que estava sentindo o fuso horário (a diferença é de cinco horas entre as duas cidades). É certo que a comitiva brasileira tentou evitar que fossem dirigidas perguntas dos jornalistas, durante a leitura do comunicado conjunto por Lula e o presidente francês Jacques Chirac. Era mais uma tentativa para isolar o presidente da crise no Brasil. Não deu certo. Logo após o balanço da viagem apresentado pelos dois presidentes, Chirac abriu tempo para as perguntas da imprensa. A primeira pergunta relacionou a crise vivida por Lula com a que passou Chirac, que também se relaciona a financiamento de campanhas. Chirac se apressou em responder e a ajudar Lula a se esquivar da questão. Ironizou a pergunta, sugerindo que a jornalista pouco se importara com a relação Brasil-França, para, por fim, dizer que não tinha o hábito de comentar assuntos internos em reuniões internacionais. Lula apegou-se à deixa: "O presidente Chirac tem razão", esquivou-se. "Os problemas do Brasil, tratarei com muito prazer quando chegar ao Brasil". Após as respostas protocolares dos dois presidentes, apenas uma outra pergunta foi permitida. Chirac mais uma vez tomou a iniciativa de proteger Lula e dar por encerrada a entrevista. Festejado no show de artistas brasileiros e no desfile militar do 14 julho, a data nacional francesa, tratado com "dignidade" - como ele próprio afirmou - por autoridades e intelectuais, Lula no entanto não pode comemorar o sucesso integral de sua passagem pela França. A comitiva brasileira, por exemplo, não conseguiu fechar acordos de negócios com o etanol, um de seus objetivos declarados. A França, também, não arredou um milímetro na política protecionista de produtos agrícolas. O chanceler Celso Amorim comemorou o fato de a Organização Mundial do Comércio (OMC) ter aceitado um documento do G-20 como texto básico de discussão, o que sem dúvida é um avanço, mas Chirac tratou de jogar um balde de água fria nas expectativas mais otimistas. Na entrevista no Palácio do Elísio, Chirac disse compreender a posição de Lula e que tinha a certeza de que o presidente brasileiro também compreendia a sua. Ressaltou que há mais de um ano a comunidade européia já havia decidido acabar com os subsídios agrícolas para a exportação, mas que a medida só seria aplicada quando outros grandes exportadores, os Estados Unidos, fizesse o mesmo. "Não é um problema entre o Brasil e a Europa. É entre os Estados Unidos e o resto do mundo", esquivou-se. A proposta de Lula de criação de um fundo mundial de combate à pobreza ganhou novo alento com a intenção de Brasil e França de implementar, até 2006, um projeto piloto de cobrança de taxas sobre passagens aéreas. Mas a sonhada cadeira no conselho permanente da ONU, que poderia marcar a gestão Lula, pode ter ficado mais distante com o veto dos EUA para que a questão seja decidida em setembro. Apesar do apoio de Chirac, que vê em Lula um aliado para o multilaterilismo e a criação de um mundo multipolar.