Título: Lucrar com a diversão no Brasil não é brincadeira
Autor: Carolina Mandl e Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2005, Empresas, p. B1

Lazer Das 11 companhias analisadas, oito tiveram prejuízo no ano passado

O Brasil está longe de ser um passeio pela Disneylândia para quem investe em entretenimento. Projeções estratosféricas feitas nos anos 90 para o consumo de lazer não se realizaram. Mais de uma década depois, algumas empresas fecharam as portas, e quem sobrevive tenta se adaptar às limitações de renda do brasileiro. Levantamento feito pelo Valor Data com 11 empresas de hotelaria, TV por assinatura, parques de diversão, cinema e brinquedos mostra que é difícil lucrar com a diversão no país. No ano passado, oito companhias tiveram prejuízo líquido. Cinco tinham patrimônio negativo, consumido por anos seguidos de resultado no vermelho. "Várias premissas de renda e de crescimento econômico não se confirmaram. Foi trazido do exterior um modelo de negócios que não se encaixa no pequeno número de pessoas que podem usufruir das atividades", afirma Guilherme Lacerda, presidente da Funcef. O fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal investiu em três parques aquáticos Wet'n Wild, na rede hoteleira Blue Tree e no parque de diversões Hopi Hari. Por falta de resultados, dois parques foram fechados. Com o Plano Real, empresas e até mesmo do governo apostavam que o brasileiro passaria a ter mais dinheiro para o lazer. A perspectiva era de que hoje seus empreendimentos já seriam lucrativos, e muitos investidores se endividaram contando com esse cenário. No entanto, muitos ainda não conseguiram sequer equilibrar receitas e despesas operacionais. Para a Agência Nacional de Telecomunicações, o país teria hoje mais de 10 milhões de assinantes de TV. Na realidade, existem 4 milhões. Os acionistas do Hopi Hari esperavam recuperar seu investimento em cinco anos, meta que teve de ser ampliada para 12 anos. Os investidores são unânimes em apontar a renda como um dos principais obstáculos ao crescimento. Diversão é um luxo para poucos no Brasil, e segundo o IBGE, vem caindo a parcela do orçamento familiar destinada ao lazer. Os gastos com recreação e cultura, que representavam 2,51% da renda em 95/96, diminuíram para 1,97% em 2002/2003. A partir de 2002, o celular passou a absorver uma parte das despesas com entretenimento, diz o instituto. As famílias gastam, em média, R$ 21,34 por mês para se divertir, o que não é suficiente para comprar um ingresso de parque de diversão ou uma assinatura de TV a cabo. Como tem um preço mais baixo em relação a outros programas, o cinema é o segmento de diversão que mais tem crescido. "Desde que chegamos ao Brasil em 97, a operação tem resultado positivo", afirma o diretor financeiro da rede Cinemark, Marcelo Bertini. A falta de dinheiro leva o consumidor a optar pela atividade mais barata. "Lazer é uma categoria de gasto que sofre muito com o efeito substituição. Começa com o desejo de ir à Disney e acaba com a locação de um filme", explica Cristiano G. Vasques, da consultoria especializada em turismo HVS. O resultado disso é que as empresas tiveram de rever seus projetos e adaptá-los ao bolso do brasileiro. "Quando não dá para atingir o resultado de público esperado, a saída é baixar o preço", afirma Alexandre Zubaran, presidente da Costa do Sauípe. Segundo o executivo, só neste ano, depois de alcançar a demanda desejada é que o complexo de hotéis conseguiu remarcar seus preços em 21%, atingindo um patamar que deve levar Sauípe a alcançar neste ano o primeiro lucro. Mas isso só foi possível depois de o complexo passar por uma reestruturação, que envolveu corte de custos e um reposicionamento no mercado. As perspectivas de retorno para o empreendimento são boas, afirma Sérgio Rosa, presidente da Previ, fundo de pensão que controla a empresa. A rede hoteleira Blue Tree afirma que a diária ideal para seu resort em Angra dos Reis seria de R$ 700, mas que só consegue cobrar R$ 550. Quando foi inaugurado, o Hopi Hari cobrava R$ 35. Hoje paga-se R$ 42 pelo ingresso, valor que não acompanha a inflação do período. As operadoras de TV por assinatura também tiveram de se acomodar à realidade mais modesta. Uma das medidas foi diversificar a oferta de pacotes de canais, com planos mais baratos para tentar driblar a estagnação na base de clientes e atingir um público de renda menor. As empresas também tiveram de enxugar custos. Os contratos de programação, antes denominados em dólar, foram renegociados e agora são cobrados em reais, afirma o diretor financeiro da TVA, Carlos Malagoni. A operadora do grupo Abril, que chegou a ter 1,3 mil funcionários, hoje tem 570. Outra lição aprendida a duras penas foi planejar melhor os investimentos. As operadoras de TV por assinatura gastaram R$ 10 bilhões para instalar suas redes no país. "Agora, nos tornamos mais seletivos. Só investimos quando a base de clientes aumenta", diz o executivo. O resultado operacional dessas empresas melhorou consideravelmente nos últimos anos, mas a conta das estimativas superdimensionadas ficou cara. A Net e a TVA enfrentaram longos processos de reestruturação de suas dívidas, que explodiram com a alta do dólar em 2002. Desde meados do ano passado, o setor ensaia uma retomada, com um pequeno aumento do número de clientes. Para Malagoni, a recuperação decorre mais dos esforços feitos pelas empresas que da melhora da economia. Grandes investidores do setor de entretenimento no Brasil, os fundos de pensão não têm planos de voltar a colocar dinheiro em empreendimentos de diversão. "Por enquanto, a nossa missão é resolver os problemas que temos em mãos", diz Lacerda, da Funcef. Só nos parques aquáticos de Salvador e do Rio de Janeiro, o fundo da Caixa Econômica teve um prejuízo de cerca de R$ 200 milhões, um valor que nada tem de divertido para quem tem de pagar mensalmente 22 mil aposentados e pensionistas.