Título: Descontentamento com distribuidoras pode reduzir reajuste de energia elétrica
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2005, Brasil, p. A2

Os consumidores brasileiros nunca estiveram tão críticos com o desempenho das distribuidoras de energia. Levantamento anual realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para detectar o índice de satisfação dos consumidores atingiu 58,8 pontos no ano passado. O nível de descontentamento aumentou pela terceira vez seguida, é recorde e fica abaixo do patamar identificado durante o pico da crise de abastecimento que afetou o país, em 2001. Mais do que uma simples pesquisa com os consumidores, o índice tem implicações diretas para as empresas. Com a baixa nota alcançada no ano passado, as distribuidoras receberão uma espécie de punição da Aneel, que em última instância compensará os consumidores pela queda no índice. O "fator X", espécie de cálculo de produtividade que gera um desconto em benefício do consumidor no momento dos reajustes anuais de tarifas, aumentará para 62 das 64 distribuidoras. No aniversário dos contratos, o fator X é aplicado como um amortecedor dos aumentos. Em geral, representa um desconto de 2 a 2,5 pontos percentuais sobre o IGP-M, indexador utilizado na fórmula dos reajustes. Também são levados em conta custos gerenciáveis (como folha de pessoal e investimentos) e custos não-gerenciáveis (impostos, encargos, compra de energia das geradoras, transmissão). A Aneel estabeleceu uma linha de corte de 70 pontos na pesquisa. Se uma distribuidora ultrapassar esse índice, significa que a qualidade dos serviços é considerada satisfatória. Então, o fator X diminui e o desconto para os consumidores é menor. Isso aconteceu com apenas duas concessionárias. As demais ficaram abaixo da nota de corte. Resultado: o fator X aumenta proporcionalmente, até o limite de 1 ponto percentual, e o desconto sobre o IGP-M aumenta já no reajuste seguinte dos contratos. Estimativa feita ontem pela Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) indica que as empresas terão perda anual de R$ 170 milhões em função da pesquisa, com reajustes menores do que o projetado. Apenas duas concessionárias serão beneficiadas. A melhor distribuidora, segundo detectou o levantamento da Aneel, é a Centrais Elétricas de Carazinho (Eletrocar), que atende 29,7 mil unidades consumidoras em seis municípios gaúchos. Numa escala de 0 a 100, a empresa teve nota 72,65 na avaliação dos usuários. A pior distribuidora no ano passado foi a Companhia de Eletricidade do Acre (Eletroacre), com nota de 39,66. Embora sua avaliação tenha sido bem pior do que a média, o impacto no fator X fica limitado a 1 ponto percentual. Nos grandes centros consumidores, as distribuidoras também ficaram abaixo da linha de corte e serão obrigadas a reduzir seus reajustes. É o caso da Eletropaulo (cujo desconto associado ao fator X aumentará 0,90 ponto percentual), da Light (0,78), da Ampla (0,76) e da Cemig (0,65). "Houve um aumento do grau de exigência dos consumidores", avaliou o diretor-presidente da AES Eletropaulo, Eduardo José Bernini. O dado a sublinhar, segundo o executivo, é que as pessoas com mais de 65 anos dão notas bastante superiores às concessionárias do que consumidores com menos de 25 anos. Ele disse que a companhia está alerta para o recado: nos últimos anos, transferiu os 17 postos de atendimento ao consumidor de locais próximos às bases operacionais da empresa para entroncamentos de transporte coletivo. "O consumidor está ficando mais exigente", reforçou o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman. Um exemplo mencionado por ele é que, em 2000, cerca de 40% das ligações recebidas pela ouvidoria da agência eram perguntas e esclarecimentos sobre direitos do consumidor. Hoje, mais de 90% das chamadas têm essa finalidade. "Não são reclamações, são demandas por mais informação", afirmou. O diretor da Aneel levantou duas hipóteses sobre a queda no índice de satisfação, embora nenhum fato "extraordinário" tenha acontecido em 2004. A primeira é a influência sazonal sobre o levantamento. As pesquisas anteriores eram realizadas entre setembro e outubro. A última concentrou seus trabalhos no período entre dezembro e janeiro. De acordo com Kelman, esse último período coincide com o verão e tem muitas chuvas, levando a problemas pontuais no fornecimento de energia, com quedas de galhos e árvores. Outra possibilidade é que a pesquisa mais recente inclui o mês em que Rio e Espírito Santo tiveram um apagão que durou mais de três horas, em 1º de janeiro. Para a Aneel, isso pode ter refletido na opinião pública, mesmo fora daqueles Estados. As distribuidoras mostraram-se surpreendidas pelo resultado e contestaram a pesquisa, vendo problemas de metodologia. Levantamento próprio das empresas, feito pelo Vox Populi, aponta crescimento da satisfação dos consumidores residenciais nos últimos três anos. O presidente da Abradee, Luiz Carlos Guimarães, reclamou do critério adotado pela Aneel para a linha de corte. E fez uma crítica à relação entre o índice de satisfação e o aumento do fator X. "É um absurdo, não faz o menor sentido", disse.