Título: Um pacto das elites para sair da crise
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2005, Brasil, p. A2

Face à possibilidade de agravamento da crise política, o senador Jefferson Péres (PDT-AM), em artigo no jornal "O Globo" de ontem, conclamou seus pares "a uma concertação de políticos dotados de lucidez e senso de responsabilidade, do governo e da oposição" para a costura de um projeto de consenso para o Brasil. O senador, ao pregar um entendimento político, salienta o lado econômico ao defender como prioridade, para este acerto, um choque fiscal nos moldes do déficit nominal zero do ex-ministro e deputado Delfim Netto (PP-SP). Isso ocorreria, na visão de Péres, via aumento do superávit primário para 5% do PIB, a ser obtido com cortes drásticos dos gastos de custeio no orçamento, inclusive de recursos destinados a investimento. Sua meta é reduzir juro para o Brasil voltar a crescer. O resultado do entendimento pregado pelo senador do PDT poderá levar a uma saída para a crise por meio de um pacto conservador em torno dos interesses das elites, tão recorrente na história do país. Em última instância, nem precisa perguntar quem vai pagar a conta desse acerto - se ele ocorrer -, já que será centrado em cortes de custeio, rubrica que abriga saúde, educação, investimento, ministérios em geral. Os prejudicados serão os de sempre, assalariados e população de menor renda, mais uma vez alijados das grandes decisões nacionais. Mas a proposta econômica de Péres e mesmo a de Delfim Netto podem desagradar ao empresariado ligado à produção, caso não desaguem numa queda imediata dos juros, pois implicam em cortar recursos para investimentos públicos. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) já se pronunciou contra a proposta do déficit nominal zero por temer aumentos de impostos. E o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) também receia redução nos investimentos. Francisco Luiz Lopreato, economista da Unicamp, em artigo intitulado "Finanças Públicas: a marcha continua", publicado na última carta Política Econômica em Foco, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon), da Unicamp, revela que na receita líquida orçamentária de fevereiro os maiores prejudicados com corte no orçamento foram áreas ligadas à produção e à infra-estrutura. Em seu trabalho, Lopreato informa que o valor estimado, em fevereiro, para a receita líquida orçamentária do ano foi de R$ 393,2 bilhões, com redução de R$ 7,2 bilhões em relação aos valores definidos em lei. Deste total, 69,5% corresponderam a despesas obrigatórias não financeiras, compostas por gastos com pessoal e encargos, benefícios previdenciários e superávit primário. As despesas de custeio e investimento absorveram apenas 18,2% da receita líquida. "É sobre esta pequena parcela que irão incidir novos cortes, se necessário, uma vez que as despesas financeiras com juros da dívida são intocáveis", diz Lopreato. Ou seja, a margem para cortes orçamentários este ano é muito pequena. Ao analisar os dados da programação orçamentária na versão de fevereiro, o economista da Unicamp constatou cortes profundos nas áreas de produção (menos 46%) e de infra estrutura (menos 41,7%), as mais atingidas, com os ministérios de Comunicações, Minas e Energia, Cidades e Turismo e Integração Nacional perdendo mais de 50% dos recursos disponíveis. Nas pastas de Meio Ambiente, Transporte e Desenvolvimento Agrário os cortes superaram 30%.

Ajuste extra também pode afetar investimento

A seu ver, fatores de incerteza na economia mundial, atrelados à desaceleração do crescimento econômico no Brasil, e medidas de restrições de carga tributária, adotadas pelo governo, podem ser também fortes obstáculos à implementação dessa estratégia fiscal em 2005. Se vingar uma deterioração do quadro econômico, o governo poderá querer ampliar o corte de gastos para aprofundar o ajuste fiscal visando blindar a economia ante a crise política e garantir a confiança dos mercados. "Isto poderá gerar problemas sérios no processo de execução orçamentária, levando a uma disputa por recursos, com risco de potencializar conflitos internos e afetar interesses privados e aumentar a insatisfação potencializando o risco político", avisa Lopreato. Neste contexto, o inesperado poderá ameaçar o pacto conservador pregado por Péres. Chico de Oliveira e o PT O sociólogo Chico de Oliveira, um dos fundadores do PT, em entrevista à publicação "Brasil de Fato" disse que "Lula é uma fraude e vai perder a reeleição", mas considera que uma parte do povão continuará fiel ao presidente, não ao PT. Lula a seu ver é produto da crise provocada por FHC. E podia ter feito um governo diferente. E não o fez. "A personalidade do Lula influiu muito porque ele se tornou a liderança carismática do PT e do povão. E ele é fraco de caráter. É só ver o documentário "Entreatos" do João Moreira Salles. Não tem nada de radical ali. Foi a gente que se enganou." Sobre o futuro do PT, Oliveira foi cáustico. "Ao perder contato com a realidade e ser colonizada pela economia, a política vira um bando de gangues que disputa ferozmente para ver quem assume o controle. É o que o PT vai ser. O PT vai ser um peronismo, todo dividido em gangues." Comentando a proposta do déficit nominal zero de Delfim, Chico foi irônico: "Chamaram o Delfim para isso. E sua sugestão vai dar certo. O Brasil não está condenado a não crescer. Você só garroteia o crescimento com uma política miserável. Mas, se baixar os juros, a economia volta a crescer adoidado." O sociólogo ressalta que o déficit nominal zero não vai melhorar a vida do povo. "Com um Estado que faz política focalizada, não haverá distribuição de renda. O que está acontecendo é arrocho no gasto social. E vão chamar o Delfim Netto para isso. Ele não precisa de cargos, ele já manda. Você conceberia que o Lula fosse assessorado diretamente pelo Delfim Netto? Era inconcebível."