Título: Fisco paulista vai cobrar R$ 1 bi de falsos exportadores
Autor: Marta Watanabe e Claudia Facchini
Fonte: Valor Econômico, 22/07/2005, Brasil, p. A3

Tributação Empresas reconhecem débito e querem negociar multa

A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo está se preparando para começar a cobrar pelo menos R$ 1 bilhão em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de grandes empresas que, atraídas por consultorias tributárias, se beneficiaram de um esquema de exportações fictícias de soja. Entre as empresas que se beneficiaram com o esquema estão Pão de Açúcar, Adria, Sucos Del Valle, Casas Pernambucanas, a fabricante de tubos e conexões Tigre e a Lua Nova Indústria e Comércio, fabricante do pão de forma Panco. Elas se aproveitaram de créditos de ICMS relacionados a compras de soja que só existiam no papel.

Embora a Fazenda paulista ainda não tenha lavrado as autuações fiscais, algumas das empresas que se beneficiaram de créditos inexistentes de ICMS já estão sentindo os primeiros impactos financeiros. O Pão de Açúcar estornou de sua contabilidade R$ 15 milhões de créditos originados das compras fictícias de grãos de soja e ainda não utilizados. A Panco já pagou pelo menos R$ 1 milhão em ICMS para resolver a questão de uma vez. Algumas das empresas estão tentando negociar junto à Fazenda paulista um valor de autuação fiscal mais ameno e condições de pagamento facilitadas. Especialistas acreditam que a negociação é delicada porque poderia abrir precedentes ou suscitar questionamentos de outros contribuintes devedores de ICMS. As autuações fiscais ainda deverão ser lavradas pela Fazenda. Elas são compostas de multa e do valor de ICMS que deixou de ser pago. O que algumas empresas pedem à Fazenda é a redução da multa que, segundo a legislação paulista, é de 30% do valor da operação de exportação, no caso. O percentual poderia ser aplicado sobre o valor das exportações. A proposta levada à Secretaria da Fazenda sugere uma base diferente para o cálculo da multa. As empresas propõem multa de 100% calculada sobre o ICMS devido. Elas também querem garantir parcelamento dos valores em 60 meses. Para débitos ainda não inscritos na dívida ativa, a Secretaria da Fazenda admite que as empresas tenham apenas um total de dois parcelamentos: um de 60 meses e outro de 24 meses. Nos dois casos, a correção é pela Selic. Procuradas, as empresas não comentaram o assunto. A Secretaria da Fazenda também não se pronunciou. O esquema de exportação fictícia de soja detectado pela Secretaria da Fazenda levava em consideração a forma de cálculo do ICMS. Assediadas por escritórios de consultoria tributária, as empresas compravam um pacote completo que envolvia a compra de soja, o processamento dos grãos e a exportação dos derivados, como farelo e óleo. A soja vinha de Mato Grosso e como era comprada por empresas que estavam sempre em outros Estados, a aquisição dos grãos sempre dava origem a um crédito de ICMS de 12%, alíquota aplicada nas operações interestaduais. Os grãos eram processados e exportados por terceiros indicados pelas consultorias e sempre por conta e ordem das empresas que haviam adquirido o pacote tributário de exportação. Como as vendas ao exterior são livres de cobrança do ICMS, as companhias atraídas para o esquema ficavam com os créditos do ICMS pago na compra dos insumos. No caso da soja, o crédito de 12% de ICMS relativo à compra dos grãos vindos do Mato Grosso. Esse crédito era abatido do imposto devido pelas companhias que compraram o pacote. O esquema em si, explicam especialistas, não tinha nada de ilegal. Era um planejamento legítimo. Segundo tributaristas, nada impede que uma rede de supermercados ou um fabricante de produtos alimentícios compre soja e exporte produtos beneficiados e acumule os créditos de ICMS da operação. O problema detectado pela Secretaria da Fazenda foi que, na verdade, as operações, que ficavam sob o controle das consultorias tributárias, eram fictícias. Para embasar os créditos de ICMS, as empresas ficavam com documentos de exportações que, na verdade, eram notas frias falsificadas. A Fazenda demorou para detectar a operação porque as notas frias eram elaboradas com números, volumes, preços e outros dados idênticos a outras operações de exportação que realmente existiram. A falsificação só foi detectada quando se verificou que duas ou mais empresas diferentes estavam declarando operações de exportação idênticas.