Título: Auditoria constata fraude em contrato da DNA com a Eletronorte
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 22/07/2005, Política, p. A5
Crise O Amapá, com 2,9% do faturamento da empresa, é o destino de 39,8% das verbas publicitárias
A agência de publicidade DNA, do empresário Marcos Valério de Souza, falsificou documentos para aumentar o preço de serviços prestados à Eletronorte, estatal de energia com quem tem contratos de propaganda desde 2001. A fraude foi detectada em auditoria interna e consta de relatório da empresa, ao qual o Valor teve acesso, que identificou ainda diversos outros indícios de irregularidades. A auditoria recomendava claramente a "oportunidade e conveniência empresarial de antecipar o encerramento do contrato" com a DNA. Apesar de o relatório ter sido finalizado em 1º de abril, antes da primeira entrevista em que o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) apontou Valério como operador do "mensalão", a Eletronorte só decidiu rescindir o contrato com a agência dois meses e meio depois, após duas outras estatais - Correios e Banco do Brasil - terem feito o mesmo. A diretoria da Eletronorte deverá anunciar somente hoje o rompimento do contrato, mas uma carta já foi enviada na segunda-feira a Valério, comunicando a rescisão, com base em dois artigos diferentes da Lei 8.666/93. Só neste ano, a estatal tinha com a DNA um contrato de R$ 12,476 milhões - dos quais cerca de R$ 2 milhões foram efetivamente pagos. A maior parte dos recursos é desembolsada a partir de julho, em campanhas educativas de combate a queimadas na região Norte do país. A auditoria descobriu que a DNA fraudou documentos para elevar o custo de serviços prestados por seus fornecedores à Eletronorte. Um caso estranho ocorreu em dezembro do ano passado, quando a estatal encomendou à agência de publicidade 5.600 camisetas, confeccionadas em malha poliviscose, para uma campanha de luta contra a aids. Pelo contrato com a Eletronorte, a DNA era obrigada a fazer pelo menos três cotações de propostas para execução dos serviços. A auditoria detectou que "algumas das propostas dos referidos fornecedores apresentam semelhanças nas assinaturas, evidenciando terem sido elaboradas por uma mesma pessoa (...), sem haver a preocupação da contratada em buscar o melhor preço". Essa prática pode ter sido comum, mas foi particularmente identificada na encomenda das camisetas. O fornecimento para a DNA foi feito diversas vezes pela Serigriff, fábrica de confecções que tem sede em Águas Claras (DF), que naquela ocasião apresentou orçamento de R$ 52.640 a Valério. A conta era repassada à Eletronorte. As propostas da Serigriff eram sempre melhores do que as apresentadas pelos demais concorrentes. Quando os auditores da estatal tomaram a iniciativa de checar os orçamentos feitos pelas outras empresas, tiveram uma surpresa: as propostas haviam sido falsificadas. Ambas apresentavam ofertas superiores aos preços dados pela Serigriff. Diante dos indícios de fraude, os auditores procuraram o proprietário de uma das empresas ofertantes, a Proroupas Confecções. O dono da empresa informou que a assinatura contida no orçamento não era dele. "Acrescentou ainda que o formulário das 'propostas', apresentadas pela DNA como sendo da Proroupas, não é mais utilizado por sua empresa e até o endereço já foi alterado, o que confirmamos posteriormente no cadastro mantido pela Receita", diz o relatório. A auditoria estranhou outro dado, que levanta suspeitas sobre a idoneidade do fornecedor ou, no mínimo, desinteresse da DNA em negociar preços melhores. As 5.600 camisetas tiveram preço unitário de R$ 9,40; sete dias antes, ao encomendar 500 camisetas com as mesmas especificações, o preço era de R$ 7,50. "Essa ocorrência evidencia a inversão do princípio da economia de escala", ironiza o relatório. Embora envolva uma quantia relativamente pequena, essa é a mais flagrante irregularidade no contrato com a DNA, mas não a única. Em janeiro de 2005, a agência faturou os serviços de impressão de 2 mil exemplares do "Relatório Social/2003 da Eletronorte", no valor de R$ 68.772,80. O serviço, feito com atraso pela DNA, teve um agravante: em fevereiro, uma "significativa quantidade" da publicação não havia sido distribuída. A auditoria também detectou um comportamento pouco prudente da Superintendência de Comunicação Empresarial da Eletronorte. Responsável pela distribuição dos gastos com patrocínios, a superintendência destinou R$ 1.151.654 das despesas com patrocínios a áreas de atuação da estatal. O curioso é que o Amapá, que responde por apenas 2,9% do faturamento da empresa, ficou com 39,8% do total de verbas. Pará e Maranhão, que representam 83% do faturamento, ficaram com só 31%. A distribuição das verbas de patrocínio não tem relação direta com a DNA. A superintendência responsável é submetida à Diretoria de Gestão Corporativa, exercida por Lourival do Carmo de Freitas, indicado pelo ex-ministro José Dirceu. Freitas é do Amapá e há fortes rumores na Eletronorte de que ele pretende candidatar-se a um cargo eletivo nas eleições do ano que vem.