Título: China cede a pressão, anuncia reforma e valoriza sua moeda
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Fonte: Valor Econômico, 22/07/2005, Internacional, p. A8
Câmbio novo Yuan sobe 2,1% frente ao dólar; há incerteza quanto ao mecanismo de flutuação
Era algo esperado, cedo ou tarde, e acabou acontecendo ontem. A China afrouxou o atrelamento de sua moeda ao dólar, à cotação de 8,28 yuans por dólar, que vigorou nos últimos 11 anos. A partir de agora, o yuan será vinculado a uma cesta de moedas, em relação às quais a paridade central será determinada ao fim de cada dia. E o yuan foi valorizado, embora nem de longe o quanto os EUA e outros países vinham cobrando: a taxa central do yuan frente ao dólar foi deslocada em 2,1%, para 8,11. Os mercados reagiram com calma. Até o momento, não está claro exatamente como o novo sistema irá funcionar. Os chineses denominaram a nova política de "regime cambial flutuante administrado", que pode muito bem significar mais administração do que flutuação. Mas o simples fato de a China ter feito um ajuste em seu câmbio é importante. Os futuros efeitos econômicos e políticos da valorização, porém, dependerão da distância a ser percorrida (e a que velocidade) pelo yuan daqui para a frente. A tendência é que produtos exportados pela China fiquem mais caros, e os importados, mais baratos. Economistas temem ainda que o país reduze a compra de dólares e títulos dos EUA, o que pode causar colapso da moeda americana. É improvável que uma valorização inicial tão pequena tenha um efeito substancial em segurar a rápida expansão da economia chinesa. Anteontem, a agência oficial de estatística chinesa anunciou que o Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2005 cresceu 9,5% em relação ao mesmo período do ano passado, acima das previsões da maioria dos analistas, e só um pouco abaixo da taxa de crescimento de 2004. A produção industrial chinesa, que cresceu 16,8% no ano até junho, e o investimento em ativos fixos, que subiu 25,4% no primeiro semestre, ano sobre ano, caíram de seus níveis do final de 2003, mas continuam aquecidos. A inflação, pelo índice de preços ao consumidor, é baixa, tendo caído para 1,6% (no acumulado de 12 meses) em junho, contra mais de 5% um ano atrás. Na realidade, a economia está crescendo muito mais lentamente do que sugerem esses (extremamente suspeitos) números oficiais. Muitos economistas dizem que China tem uma tendência institucionalizada de reportar maior crescimento (do que o real) no período mais baixo de um ciclo e de reportar um crescimento menor em seus picos, para reduzir a volatilidade dos números. A julgar pelos indicadores físicos, tal como consumo de eletricidade ou volume de fretes, o crescimento do PIB provavelmente atingiu um pico acima de 12% em 2003 e deverá cair para 8% em torno de 2006. Uma vez que o crescimento macroeconômico chinês é puxado mais por investimento fixo que por consumo (ao contrário do Ocidente), esse crescimento é vulnerável a qualquer redução de investimentos das empresas ou de gastos públicos em infra-estrutura. "Em ciclos de investimentos, os principais indicadores são as margens de lucro, os preços de produtos e preços no mercado imobiliário, que sinalizam o fluxo de investimento empresarial ou a capacidade de levantar empréstimos", diz Andy Xie, economista especializado em Ásia no Morgan Stanley. Esses três indicadores estão em queda. Nos últimos cinco anos, as indústrias chinesas tiveram margens de lucro recordes, pois o crescimento das receitas foi maior que o dos salários e do custo de matérias-primas. Em 2003 e 2004, a produção industrial e as vendas cresceram a uma taxa anual de quase 30% em termos reais, segundo estimativa de analistas, mas em 2005 o ritmo caiu para cerca de 15%. Com a alta nos preços das commodities, as margens das empresas estão sendo espremidas: setores superaquecidos, como automotivo, siderúrgico, de cimento e de matérias-primas básicas, são os mais negativamente afetados. Os preços de imóveis também estão desacelerando, após um período de crescimento extraordinário, especialmente nas grandes cidades. Os preços de moradias em Xangai, em alta de 50% desde 1998 e de quase 10% no primeiro trimestre deste ano, recuaram entre 10% e 20% desde abril. O volume de transações imobiliárias na maioria dos centros urbanos também caiu, porque o governo criou um imposto sobre a venda de imóveis e elevou as exigentes para obtenção de financiamento habitacional. No geral, porém, a China parece estar conseguindo realizar o pouso suave que desejava. O governo agiu mais cedo e mais decisivamente do que em meados da década de 90, contendo o crescimento antes que ele fugisse ao controle. As autoridades governamentais também têm se revelado mais sofisticadas, impondo restrições administrativas a setores selecionados, ao mesmo tempo em que implementam medidas que influenciam o mercado, como o aumento nos juros em outubro passado, para frear o crescimento da oferta monetária. Uma valorização do yuan, mas provavelmente muito maior do que a anunciada ontem, daria outra esfriada na economia. Além disso, a economia parece mais equilibrada: há sinais de que os gastos dos consumidores estão dando maior suporte à economia, juntamente com investimentos fixos e exportações. O crescimento da renda está ampliando substancialmente o poder de compra das famílias, resultando na elevação de 13% nas vendas no varejo na primeira metade do ano, em comparação a 2004. E o interior do país está finalmente desempenhando um papel: após seis anos de crescimento sem brilho, a renda em zonas rurais cresceu 12,5% este ano. Apesar disso, as autoridades econômicas chinesas não podem se dar ao luxo de dormir sobre os louros. Por um lado, há um risco de que a economia volta a reaquecer quando decolarem os gastos para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. De outro lado, em vista da enorme capacidade produtiva da indústria de transformação acumulada nos últimos anos, uma desaceleração ligeiramente maior, possivelmente desencadeado por menor crescimento nos EUA, poderia empurrar a China de volta à deflação. Neste momento, acredita-se que espantosos 90% dos produtos fabricados na China já estejam com excesso de oferta. No curto prazo, a maior preocupação é que os chineses tornem-se vítimas de seu próprio sucesso internacional. Até agora, a China tem sido um potente motor impulsionando a economia mundial. Se o motor girar mais devagar, um possível efeito da valorização do yuan, as tensões políticas e comerciais existentes podem se agravar. Assim, um lamentável efeito colateral das tentativas chinesas de desaquecer sua economia tem sido uma explosão do superávit comercial, pois o crescimento das importações arrefeceu, ao passo que as exportações continuam fortes. Em junho, as exportações da China cresceram 30,6%, ano sobre ano, ao passo que as importações cresceram só 15,1%, alargando o superávit comercial mensal para US$ 9,7 bilhões. O superávit acumulado em 2005 está perto de US$ 40 bilhões, mais do que no ano passado inteiro. Neste ano, o superávit em conta corrente poderá chegar a 9% do PIB. "Apenas um ano atrás, entre todos o países do mundo, a China exibia o mais rápido crescimento nas importações de maquinário pesado", diz Jonathan Anderson, economista-chefe do UBS, especializado em Ásia. "Hoje, a China continental é uma exportadora líquida crescente, e é visível a aceleração das exportações não só de têxteis mas também de aço, outros metais e produtos químicos." Quedas nas importações (de quaisquer produtos, com exceção de commodities) são má notícia para empresas internacionais, num momento em que as que operam na China já estão sofrendo o impacto de intensificação da concorrência e do excesso de oferta. E as empresas na China continental estão se transformando em agressivas exportadoras de tudo - de têxteis e aço a aparelhos eletrônicos e automóveis. A Ningbo Bird, com sede na província de Zhejiang, está inundando a Ásia com telefones celulares baratos que não consegue vender lucrativamente no mercado doméstico. A valorização do yuan deverá resultar em que parte das tensões geradas por tudo isso se atenue. Os políticos americanos, em especial, vêm cobrando passos nessa direção. Mas gostariam que fossem passos mais largos. E investimentos chineses estão passando a ser um tópico tão sensível quanto tem sido a questão do comércio. A China já não está usando seu enorme estoque de reservas cambiais (acima de US$ 700 bilhões) só para comprar títulos do Tesouro dos EUA, mas também para comprar ativos físicos. A polêmica oferta de US$ 18,5 bilhões feita pela CNOOC, uma grande petrolífera chinesa, pela americana Unocal causou comoção em Washington. A mudança no câmbio chinês poderá esfriar as cobranças por barreiras comerciais e valorização do yuan por algum tempo. Mas se sua economia interna esfriar e assim passar a dar contribuição menor ao crescimento mundial, as medidas contra a China provavelmente voltarão em breve a ser cobradas. (Tradução de Sergio Blum)