Título: Símbolo da dívida renegociada
Autor: Cristiane Perini Lucchesi e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 22/07/2005, Finanças, p. C1

Com a operação de troca do C-Bond por papéis novos, deixa de ser negociado no mercado financeiro o título da dívida externa que, por seus altos volumes transacionados, foi por cerca de dez anos o símbolo da dívida externa renegociada. O curioso é que o papel, lançado em 1994, não foi desenhado para se tornar o preferido entre os operadores do mercado. "Esse é um objetivo que não freqüentava as nossas preocupações, até porque o mercado da dívida externa era pouco desenvolvido", relata Armínio Fraga, que participou do grupo que renegociou a dívida, então na condição de diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. O C-Bond virou o título mais líquido do mercado porque suas características fugiam do roteiro de reestruturação da dívida dos países emergentes criado pelo Plano Brady. O embaixador Marcos Caramuru, que no início da década de 90 era diplomata no setor financeiro na embaixada de Washington, explica que no cardápio estavam disponíveis apenas papéis com garantias - é o caso do "par bond" (bônus ao par) e do "discount bond" (bônus de desconto). "O C-Bond teve uma grande receptividade no mercado financeiro justamente porque não tinha garantias", diz Caramuru. "O título reflete puramente o risco-país, algo muito apreciado pelo mercado." O C-Bond, sigla que representa "capitalization bond" (bônus de capitalização), foi emitido em em uma quinta tentativa de renegociação da dívida externa, chefiada por Pedro Malan, que mais tarde seria ministro da Fazenda. O país havia se tornado insolvente nos anos 80 em virtude da combinação da política de endividamento do regime militar com a alta de juros americanos durante os mandatos de Paul Volcker no Federal Reserve (Fed). Os planos de reestruturação da dívida brasileira deram errado enquanto durou a política monetária restritiva nos EUA. No Plano Brady - proposto em 1989 pelo então secretário do Tesouro dos EUA, Nicholas Brady -, os credores concederam abatimentos no principal das dívidas de países emergentes (nos bônus de desconto) e nos juros (nos bônus ao par). Em troca, receberam títulos que tinham como garantia papéis de emissão do Tesouro americano. O C-Bond foi um papel diferente nesse pacote de renegociação porque não tinha esse tipo de garantia. No caso brasileiro, os credores aceitaram títulos sem garantia porque as renegociações bem-sucedidas de outros países emergentes - como México (1989), Venezuela (1990) e Argentina (1992) - haviam reforçado a confiança dos investidores, ampliando o apetite por riscos. "A liquidez internacional também já era bem mais favorável, após os juros americanos baixarem", afirma Caramuru. A principal vantagem do C-Bond para o Brasil é que ele exigia o pagamento de juros mais baixos nos primeiros seis anos. Os encargos pagos a menos eram capitalizados no principal - daí o nome bônus de capitalização, que deu origem à sigla C-Bond. "O objetivo era dar um fôlego maior nos primeiros anos e diluir o vencimento do papel ao longo do tempo", diz Fraga. "Boa parte dos problemas com dívidas externas de emergentes se deveu à concentração de vencimentos." Na origem, o C-Bond, com um volume de US$ 7,9 bilhões, não foi o papel brasileiro com emissão mais representativa - antes dele figuravam o Par Bond (US$ 10,5 bilhões) e o DCB (US$ 8,5 bilhões). O fato de refletir o risco soberano puro fez com que assumisse a posição de papel mais líquido - antes, negociava-se direitos sobre depósitos feitos no BC, os MYDFA, num mercado bastante restrito -, condição que perdeu para o BR-40 em 2004. A alta liquidez do C-Bond fez com que o papel tivesse imagem negativa na segunda metade da década de 90, quando se tornou canal de contágio de crises internacionais, como a asiática e a russa. Investidores que pediam dinheiro em outros países emergentes vendiam o C-Bond, o mais líquido do mercado, para desfazer posições. "É uma injustiça atribuir a culpa ao C-Bond", diz Fraga. "Essa é uma característica dos papéis líquidos."