Título: Déficit nominal zero "não ajuda nem atrapalha", diz Joaquim Levy
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2005, Brasil, p. A2

A proposta de zerar o déficit nominal das contas públicas num prazo determinado, provavelmente 2009, "não faz bater o coração" do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. Essa idéia, que continua em discussão e levou o deputado Delfim Netto (PP-SP) a uma nova conversa, semana passada, com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e com o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, tem provocado polêmicas no meio dos economistas e desagrada profundamente à direção do Banco Central, que teme pelos constrangimentos que isso possa vir a criar no manejo da taxa de juros destinado a perseguir metas de inflação. "Não sou contra. Acho que a meta de um déficit nominal zero não ajuda nem atrapalha", comentou Levy ao Valor. O objetivo do governo é um só: diminuir a relação dívida líquida do setor público como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), atualmente em 50,3% do PIB (dados de maio), salienta. "Não sou contra, mas não faz bater meu coração", reiterou o secretário. O que o preocupa, como encarregado, em última instância, de cumprir as metas fiscais do governo, é que num eventual programa fiscal cuja meta seja zerar o nominal - e no caso de ser necessário um aumento da taxa básica de juros -, "vamos ter que espremer as outras despesas de uma maneira alucinada". Ele, que na secretaria do Tesouro acompanha o dia-a-dia das despesas do setor público, avalia que essa seria uma amarra desnecessária. "Acho que já passamos dessa fase", comentou. Para Levy, zerar o déficit nominal é "um excelente objetivo, mas não é uma ferramenta de trabalho. O superávit primário é uma ferramenta". O que difere um do outro é que o nominal contabiliza os juros da dívida pública e este passaria a ser a principal variável da política fiscal. "O primário é programável. Eu olho a dinâmica da dívida, os juros, o crescimento e arbitro qual deve ser o superávit primário. Já o déficit nominal zero é mais difícil de programar", comenta. Definir como meta principal da política fiscal a eliminação do déficit nominal, hoje da ordem de 3% do PIB, é algo arbitrário, na concepção do secretário. Zero é um número " sonoro", diz, até "bonito", mas é "um número arbitrário porque a velocidade que isso implica para o crescimento da dívida pública dependerá do crescimento econômico. Se o crescimento for alto, resultaria numa redução dramática da dívida". Redução que o autor da proposta original, Delfim Netto, prevê, e que geraria uma oportunidade para antecipação da queda da taxa real de juros para níveis bem mais razoáveis. " Acho que mais importante do que definir uma meta nominal zero é ter posto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que a carga de impostos não vai mais subir; que as despesas correntes não podem mais crescer e tudo o que for acontecer tem que ser compatível com isso", disse. Levy lembra que essa foi uma discussão nos países da União Européia no final dos anos 90. "Na Europa, em 99, inventaram que na média o déficit deveria ser zero, ao que os suecos disseram que assim estariam em pouco tempo com a dívida zero e acumulando ativos". O que é importante para retomar o processo de redução vigorosa da taxa básica de juros, na avaliação do secretário do Tesouro Nacional, "é ter o fiscal firme, tanto no dia-a-dia quanto impedindo que surjam mais rigidez, mais obrigação, mais vinculação". Outro componente que ele considera relevante refere-se às as questões de grande impacto fiscal pendentes no Poder Judiciário, sejam elas relativas a pagamento de benefícios no setor público ou demandas de empresas privadas contra pagamento de tributos federais. Para Levy, a forma de conduzir a política fiscal deve se restringir a esses três focos: "temos que entregar os objetivos do dia-a-dia, não podemos inventar novidades e temos que adiantar a nossa agendinha de reformas micro-econômicas para aumentar a oferta sem aumentar preços". Ele admite que "talvez seja útil ajustar o 'mix' das políticas macroeconômicas. Quanto mais robusto for o 'mix', mais as pessoas saberão que não haverá tensões nem modificações". Se ajustar esse "mix" significa executar uma meta fiscal superior aos 4,25% do PIB, ele responde: "não sei".