Título: Sub-relator suspeita da integridade dos dados enviados à CPI
Autor: Henrique Gomes Batista e Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2005, Política, p. A8

Crise Para Fruet, sistema de fiscalização da Receita, BC e Controladoria-Geral da União está à beira da falência

O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), indicado sub-relator de movimentação financeira da CPI Mista dos Correios, colocou em dúvida, em entrevista ao Valor, a integridade dos dados da quebra de sigilo das empresas de Marcos Valério Fernandes de Souza enviados pelos bancos à comissão. "Ou existe um controle inadequado ou esses dados foram deletados quando foram mandados para a investigação", afirmou. Segundo ele, Valério tem 150 contas. Na CPI já se fala que a movimentação das contas pode chegar a R$ 2 bilhões - pelo menos R$ 500 milhões seriam em transações suspeitas de irregularidades. Não é apenas "caixa 2" para financiar campanhas políticas. "Seguramente, houve uma movimentação muito maior. Muito mais gente sacou dinheiro", disse. Experiente no assunto, o advogado de 42 anos já foi relator da CPI do Proer e tem doutorado em direito público. Ele também coloca sob suspeição as atividades do Banco Rural e do BMG. "É evidente o vínculo de troca de favores ou de interesses", disse. É evidente que isso (as transações bancárias das empresas de Marcos Valério) não foi uma mera operação comercial". No Banco do Brasil, aponta um guerra interna prejudicial à instituição. "Há uma disputa interna entre quem é de carreira, quem é de carreira ligado ao PT e de quem é do PT, mas não é de carreira. Houve uma disputa das indicações. O BB não pode ter suspeita" Para ele, as investigações da CPI dos Correios devem expor graves problemas de fiscalização na Receita Federal, Banco Central e na Controladoria-Geral da República. "Se nenhuma atitude muito firme for tomada, será a decretação de falência do sistema de fiscalização brasileira", afirmou. Gustavo Fruet descarta acordos para abafar as investigações e limites para a ação da CPI. "Quem imagina acordo para contemporizar, se arrebenta". Segundo ele, o presidente Lula está isolado, frágil, e usou a reforma como "barganha". "Vai chegar um ponto, lá na frente, que isso chegará no colo do presidente". Procurados pelo Valor, os bancos reagiram: o BB reafirma sua profissionalização e diz que há apenas dez pessoas externas à carreira num universo de 80 mil funcionários. "Os resultados demonstram como estamos mais profissionais" afirmou sua assessoria. O advogado do BMG, Sérgio Bermudes, disse que há indícios de "leviandade" no comentário de Fruet. "O BMG não tem motivos para ocultar a operação de créditos regulares, é uma especulação", disse. A assessoria do Banco Rural afirmou que o banco está colaborando com as investigações e que sempre forneceu todas as informações solicitadas pela Polícia Federal e pela CPI. A seguir, a entrevista de Gustavo Fruet. Valor: Por que foi criada a sub-relatoria de movimentação financeira da CPI? Gustavo Fruet: A sub-relatoria foi criada para melhorar o processo de investigação e auxiliar o relator e o andamento da comissão. Tudo começou por causa do depoimento de Maurício Marinho (ex-chefe da divisão de compras dos Correios, flagrado recebendo R$ 3 mil de propina). A primeira linha de investigações começou a analisar todos os contratos que foram formulados pelos Correios na área de publicidade e transportes. No meio do caminho, surgiu Marcos Valério (sócio da DNA e SMP&B) com uma relação enorme de empresas que irrigam o sistema de financiamento do PT através do ex-tesoureiro Delúbio Soares. O que se verificou neste caso específico é que essas empresas de Valério, que são 18, têm cerca de 150 contas bancárias. O volume movimentado pelas empresas no período de três anos é muito expressivo, é desproporcional ao faturamento das empresas. Valor: Qual será o método de trabalho? Fruet: A partir da quebra dos sigilos bancários, a CPI passou a receber uma série de documentos, uma série de elementos que justificam um trabalho mais específico com relação à movimentação financeira. A idéia do presidente (senador Delcídio Amaral, PT-MS) e do relator (deputado Osmar Serraglio, PMDB-PR) da CPI é, num primeiro momento, concentrar o trabalho de movimentação financeira de forma específica, independente da área de contratos, que vai verificar o porquê dos contatos e sua forma de execução, e ver onde podem ter ocorrido casos de corrupção. Valor: Por onde vão começar as investigações sobre as movimentações financeiras? Fruet: Boa parte da atenção hoje está voltada às empresas de Marcos Valério. Temos que descobrir duas coisas. A primeira é a origem dos recursos que entraram na empresa - se esse dinheiro é só dinheiro público ou se é de empresas que de alguma maneira queriam fazer financiamento político, partidário ou eleitoral e se utilizaram do serviço de Valério, quer com superfaturamento, quer com subfaturamento ou notas frias. A outra, é a destinação dos recursos. Ou seja, quem sacou na boca do caixa e para quem foi dado o dinheiro. Valor: O que existe de concreto até agora?

A CPI tem condição de superar o período de guerrilha e entrar em uma fase de qualificação

Fruet: O que se tem até o momento de forma muito objetiva é o depoimento do Delúbio e a sua confissão de que pediu para Marcos Valério cinco empréstimos não-contabilizados que totalizaram R$ 39 milhões. Três empréstimos do BMG e dois do Banco Rural. Se toda essa confusão se resumisse a estes cinco empréstimos, não precisaríamos de uma CPI. Mas isso não se restringe só a um crime eleitoral, como eles querem tentar reduzir. Quando a gente fala em "caixa 2" não é uma mera condição contábil. O que estamos analisando é a licitude e a legitimidade da origem destes recursos. Boa parte destes recursos foi sacada no segundo semestre de 2003 e no primeiro semestre de 2004 - fora, portanto, do período eleitoral. E boa parte foi sacado em Brasília, onde não há eleições municipais. Valor: Quais as primeiros resultados desse trabalho? Fruet: Temos uma linha de investigação, que são os empréstimos de R$ 39 milhões, mas já se pode afirmar que, pela movimentação financeira, toda essa estrutura e todo esse esquema de financiamento não se restringem aos R$ 39 milhões dos empréstimos de Valério ao PT. E não se restringem aos dois empréstimos que o PT fez também junto a estes bancos com o aval de Marcos Valério, que chegou a pagar uma das parcelas. É algo muito maior que isso, não é mera coincidência. O que está ficando claro é que ele (Valério), se dispôs a ser o intermediário de todo esse esquema de financiamento. Valor: Quais são os passos a serem dados imediatamente depois desta constatação? Fruet: Agora, estamos atrás da lista (de beneficiários) com pedidos de busca e apreensão e do dinheiro destinado a dez ou 15 pessoas. Seguramente, houve uma movimentação muito maior (a CPI estima um giro de até R$ 2 bilhões nas contas de Valério desde 2003). Muito mais gente sacou dinheiro (além das 47 pessoas identificadas pela quebra de sigilo de Valério). Enfim, temos que saber como chegar na origem, saber a destinação e toda a intermediação. Valor: O que é mais difícil identificar? A origem ou a destinação dos recursos? Fruet: Vai depender muito da documentação dos bancos e dos dados apreendidos pela Polícia Federal em Minas Gerais, principalmente na sede do Banco Rural. Até agora estamos vendo uma limitação de informações, dados incompletos. Dados que foram coletados pela PF não batem com os dados que chegaram à CPI. Então, apesar de toda a divulgação de uma série de fatos, a CPI está numa fase inicial. Valor: A CPI não se perdeu um pouco na luta política? Fruet: Agora ela tem condição de superar o período de guerrilha e entrar em uma fase de qualificação, uma fase em que se possa trabalhar com mais elementos para poder direcionar as próximas etapas. Se ficarmos só nos depoimentos, dificilmente chegaremos aos nomes dos envolvidos. Roberto Jefferson (deputado pelo PTB-RJ, que denunciou o mensalão) quebrou a regra do silêncio. Delúbio e Silvio Pereira não deram nomes em seus depoimentos. Eles estão tentando restringir tudo a uma questão feita entre Delúbio e Marcos Valério. Essa defesa vem sendo, diariamente, desmoronada. Valor: Como o sr. avalia a eficiência da fiscalização do sistema financeiro no Brasil? Fruet: O que se pode afirmar, desde já, é a ineficiência do sistema de fiscalização. Do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) já há indícios. Quando falo de ineficiência não significa má-fé. Pode ser falta de quadros, de treinamento, de verbas. Mas, por exemplo: alguns dados que chegaram de movimentação financeira mostram que houve saques superiores a R$ 100 mil e que estes saques não foram contabilizados ao Coaf. Não sabemos se os saques não foram comunicados pelos bancos ou se o Coaf não os mandou à CPI. Então, houve falha. No caso da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), ficou claro que houve uma disputa interna, que já havia uma investigação sobre os Correios. Para alguns, essa investigação chegou ao presidente (Lula). Para outros, não chegou. Mas o fato é que houve falha. Valor: Os dados enviados pelos bancos à CPI são suficientes, corretos e aproveitáveis?

Ninguém vai deixar de denunciar se houver tentativa de abafa ou de limite para as investigações

Fruet: Há contradição quando se confrontam os dados da CPI e os dados da PF. Vê-se que estão incompletos. Ou alguém suprimiu o dado no meio do caminho, ou não se repassou tudo, nem todos os documentos foram entregues à CPI. Outra coisa: quando se verifica, nos meios magnéticos (enviados pelos bancos), o número total de arquivos, na hora em que vão se abrir os arquivos, se vê que uma parte expressiva se perdeu. Em alguns casos chega a 40% (do total). Ou existe um controle inadequado ou esses dados foram deletados quando foram mandados para a investigação. Nós vamos apurar isso e pode ser um desdobramento da CPI. Valor: Isso pode ser um indício de má-fé? Fruet: Isso mostra o seguinte: há uma deficiência no sistema de fiscalização do Brasil. É até uma expressão muito forte, mas podemos dizer que se não houver um medida muito firme, será a decretação de falência do sistema de controle no Brasil. Pois, mesmo com mecanismos como o Coaf, a Abin, o Congresso, o TCU (Tribunal de Contas da União), Banco Central, CGU (Controladoria-Geral da União) houve uma movimentação expressiva de valores bancários, contratos (de empresas privadas com os Correios, por exemplo) que não cumpriram requisitos normais, que estão acima dos parâmetros legais e que ninguém detectou. Ou se detectou, e não se comunicou. Sem entrar no mérito de que houve uma ação deliberada, (a investigação) mostra a ineficiência do sistema. Valor: A Receita Federal também falhou? Fruet: No caso da Receita Federal, o que se verifica também é que precisa melhorar a comunicação interna do governo federal entre Receita e Banco Central, por exemplo. Parece que são áreas que não se comunicam. A pretexto de estar blindadas, trabalham de forma hermética. Isso não é bom para o país. É fundamental ter canal de comunicação para que se possa confrontar esse tipo de dado. A Receita evoluiu muito, ela está colaborando, precisamos muito dela, para que a CPI vá adiante. Dou outro exemplo: a CGU é algo que precisa ser redimensionado para valorizar o seu trabalho. Valor: O sistema financeiro está envolvido nas irregularidades investigadas pela CPI? Fruet: Não estamos falando de todo o sistema financeiro. Mas no Banco do Brasil, tenho que chamar a atenção. Historicamente, foi trabalhado para ser um banco blindado, que cada vez mais fosse profissionalizado. Parece que agora há cada vez mais uma disputa interna entre quem é de carreira, quem é de carreira ligado ao PT e de quem é do PT, mas não é de carreira. Ou seja, houve uma disputa das indicações em cargos da maior relevância. O BB não pode ter suspeita. Isso deve servir de lição para o redirecionamento. Apesar de críticas que foram feitas no governo anterior, o banco estava caminhando para um processo de profissionalização. E agora enfrenta pedras no caminho. Valor: E os demais bancos? Fruet: No caso dos outros bancos, particularmente do Rural e do BMG , é evidente que fica claro o vínculo de troca de favores ou de interesses que deverão ser investigados. Estes empréstimos do PT e das empresas de Valério têm sido pagos? Será que seriam pagos pelo PT, pelas empresas do Marcos Valério? As garantias seriam executadas? É evidente que isso demonstra que não foi uma mera operação comercial, evidentemente que não. Valor: O governo tem atuado nos bastidores para limitar a ação da CPI? Fruet: Deve estar tão no bastidor, mas tão no bastidor, que nem o governo sabe qual a estratégia está sendo adotada. Mas ele iniciou um processo para estabelecer interlocutores privilegiados. Várias pessoas ligadas diretamente ao presidente Lula ou à articulação do governo caíram, foram afastadas ou estão sob investigação e suspeição. Agora, o governo começa a sair da fase da letargia e a ter atitude. Haverá um momento em vai ser necessário um diálogo. Quando falo diálogo não é para ter acordo. Quem imaginar acordo para contemporizar, se arrebenta. E arrebenta qualquer acordo. É um processo que chama a atenção no Congresso, nos meios de comunicação e nos formadores de opinião. Ninguém vai deixar de denunciar se houver uma tentativa de abafa ou de estabelecimento de um limite para as investigações da CPI. Valor: Mas onde o processo pode chegar? Quais são os cenários possíveis? Fruet: O presidente Lula parece estar cada dia mais isolado e há indicativos de paralisia em algumas áreas do governo. O presidente não conseguiu fazer uma reforma do ministério. A imagem é muito mais de barganha do que de reforma para dar um impulso neste período final. Vai chegar um ponto, lá na frente, que isso chegará no colo do presidente. As conseqüências poderão ser graves, inclusive com a fragilidade da autoridade do presidente até o final do mandato. Não falo em renúncia ou cassação. Me refiro à fragilidade dele em conduzir o governo até o final. Ou, no curto prazo, ele terá que tomar uma atitude muito dura. Isso significa sangrar no seu governo e no seu partido. Vamos esperar para ver se ele vai pagar o preço.