Título: Contornando as ineficiências do sistema financeiro
Autor: Yoshiaki Nakano
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2004, Opinião, p. A9

O conhecimento convencional nos diz que para crescer rapidamente precisamos aumentar a taxa de investimento e que isso é possível com o desenvolvimento da intermediação financeira de longo prazo. Entretanto, historicamente a formação de tal sistema de intermediação financeira eficiente é resultado do próprio processo de desenvolvimento econômico e não a sua causa. Por isso, nos países em desenvolvimento o Estado tem tido papel importante no financiamento dos investimentos. Mas se quisermos evitar este último caminho da estatização, como resolver a questão do financiamento de longo prazo dos investimentos? A experiência dos países que crescem rapidamente mostra que existem algumas formas de contornar o problema na intermediação financeira ineficiente. A primeira forma é obvia e se trata de aumentar a lucratividade das empresas estimulando o investimento. De fato, nos países em desenvolvimento as empresas retêm a quase totalidade de seus lucros, ao contrário dos países desenvolvidos que distribuem a maior parcela e financiam a maior parte de seus investimentos. Enquanto nos países desenvolvidos cerca de metade do investimento é financiado por lucros retidos, na América Latina este percentual alcança, em média, mais de 80%. O crédito internacional representa, em média, 3,3% e o restante é financiado por emissão de ações, títulos e créditos bancários domésticos. Este último é representativo nos países onde as instituições financeiras oficiais são ativas. Dessa forma, as políticas econômicas devem se voltar para aumentar a lucratividade e aumentar o fluxo de caixa das empresas para gerar fundos internos. Dois exemplos de instrumentos de política muito utilizados são a tributação e a política cambial. Através da desoneração tributária dos lucros reinvestidos e com regras generosas de depreciação é possível aumentar a geração de poupança bruta pelas próprias empresas, o que permitiria o financiamento dos seus investimentos contornando a intermediação financeira. Taxa de câmbio desvalorizada é outro instrumento que permite aumentar os lucros das empresas ao reduzir a taxa de salário em moeda estrangeira abaixo daquela que as empresas localizadas no exterior pagam, gerando um lucro extraordinário que poderá financiar os investimentos. A segunda forma de contornar as ineficiências do sistema financeiro nacional é utilizar-se diretamente do sistema financeiro dos países desenvolvidos. Mas aqui é importante lembrar que não se trata simplesmente de obter financiamento externo com endividamento, como vem fazendo a América Latina de forma sistemática, com resultados desastrosos. Neste caso, o aumento do endividamento eleva as taxas de juros e leva geralmente a crises com conseqüências desastrosas para o desenvolvimento econômico. Qualquer crise ou evento que eleve a aversão ao risco no mercado financeiro internacional acaba refletindo em súbitas reversões do fluxo de financiamento que, em função dos serviços da dívida de endividamento acumulado, acaba levando a crises cambiais e financeiras ou tornando o "default" inevitável.

A forma eficiente de contornar ineficiências da intermediação financeira doméstica se dá sem endividamento externo ou com endividamento limitado

A forma eficiente de contornar as ineficiências da intermediação financeira doméstica se dá sem endividamento externo ou com endividamento muito limitado. Neste caso, o país adota uma política de ativa de gerar superávits nas transações correntes, como o Brasil hoje, remetendo a poupança doméstica para o mercado financeiro internacional e tira o proveito da sua eficiência para complementar o financiamento de seus investimentos. Estes países, em regra, para poderem tirar proveito da eficiência da intermediação financeira de países desenvolvidos controlam o fluxo de capital de curto prazo e investimentos no mercado financeiro doméstico ineficiente. Para contornar a intermediação doméstica ineficiente é preciso atrair investimentos diretos em capitais produtivos. Assim, a orientação da política econômica deve ser consistente, privilegiando a remuneração do investimento produtivo e não dos ativos financeiros como ocorre no Brasil. Praticam também política monetária com taxa de juros baixa, suficientemente baixa para não atrair capital especulativo e de arbitragem, que aliados a baixo endividamento público e superávit nas transações correntes, constituem-se em "garantias" para o investidor estrangeiro e conseqüente baixo risco-país. Uma terceira forma de contornar as ineficiências da intermediação financeira doméstica se dá ao nível microeconômico. São empresas nacionais exportadoras que se internacionalizam, adquirindo empresas no exterior ou que encontram formas de mudarem domicílio para o exterior. Neste caso, conseguem captar recursos quatro a cinco pontos percentuais abaixo do que captaria sendo nacional ou aqui domiciliada. Para concluir, é importante salientar que, nas duas últimas formas apresentadas de contornar as ineficiências da intermediação doméstica, a exportação é o pressuposto fundamental. Num caso, é essencial o país ter superávit em transações correntes, isto é, ser poupador líquido internacionalmente constituindo garantias para reduzir o risco-país. Não se trata de criar dependência do mercado financeiro internacional e pagar alto "risco-país". E noutro caso, as empresas precisam ter receitas em dólar exportando para adquirir ativos no exterior e ter acesso sob novas condições no mercado financeiro internacional.