Título: Um novo fardo de R$ 2,7 bilhões
Autor: Pacelli, Márcio
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2010, Economia, p. 16

Mudança recente na legislação para compensar desequilíbrios e perdas de arrecadação no sistema elétrico dobrará encargo ao consumidor

O novo encargo criado para compensar as perdas dos sistemas isolados da Região Norte representará, por baixo, um assalto de mais R$ 2,7 bilhões ao bolso dos consumidores de energia do país em 2010, estimam os especialistas. De acordo com o Instituto Acende Brasil, que reúne empresas de energia e prega transparência no setor, o aumento dos impostos pelo governo para custear desequilíbrios e aberrações da legislação custará pelo menos 2,3% a mais sobre o faturamento de todas as empresas de energia, que chega a R$ 120 bilhões por ano. ¿A conta vai mais do que dobrar. Isso dá uma ideia de como o Congresso e o governo resolvem um problema criando outro pior¿, diz Cláudio Sales, presidente da entidade.

No Congresso Nacional, há dezenas de outros projetos que, se aprovados, causariam estragos tão grandes quanto o provocado pela medida provisória que se transformou, em dezembro de 2009, na Lei n° 12.211, a dos sistemas isolados. Além de criar aberrações como a que estabelece o pagamento, por brasileiro, da eventual inadimplência de órgãos públicos do Acre e de Rondônia, a legislação impõe uma série de custos, como o que aumenta em 30% a cota de pesquisa e desenvolvimento de novas soluções para o suprimento de energia no Norte do país. Ilogicamente, todos os brasileiros voltaram a ressarcir as perdas com ICMS sobre o óleo combustível das usinas térmicas mesmo após a conexão os dois estados ao sistema elétrico nacional.

Bagunça

Para um ex-integrante do governo, soluções como essa ocorrem graças à pressão de bancadas de parlamentares diretamente interessados no tema. Explica-se, assim, o atraso de anos na construção do gasoduto entre as cidades de Coari e Manaus ¿ hoje em fase de conclusão ¿, que levará gás às térmicas da capital amazonense e secará a arrecadação do tributo sobre o óleo combustível. Ao se submeter a esses propósitos nada transparentes, o governo federal acaba contribuindo para aumentar a bagunça no sistema tributário da energia. A seu favor, entram a dificuldade de compreensão e a desmobilização dos consumidores residenciais, que pagam a conta.

¿O consumidor é vítima de uma armadilha criada por iniciativas do governo e do Congresso. Eles produzem bondades localizadas às custas da maldade generalizada, como o aumento na conta de luz¿, define Sales. No Distrito Federal, o alta da chamada Conta de Consumo de Combustíveis (CCC)(1), será sentida a partir de agosto, quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizará o reajuste das tarifas da Companhia Energética de Brasília (CEB Distribuição). Respeitando-se o cronograma das demais concessionárias, o rateio entre todos os consumidores é apenas uma questão de tempo. Além disso, as novas regras de compensações por perdas ¿eventuais¿ podem gerar ainda mais custos. Elas serão estendidas aos demais da Região Norte ¿ já protegidos por serem isolados ¿ que vierem a se conectar ao sistema elétrico do restante do país.

1 - Valor dobrado Criada para cobrir os custos do uso de combustíveis fósseis na geração termelétrica nos sistemas isolados, a CCC é uma conta rateada entre todos os consumidores de energia elétrica do País. As distribuidoras de energia são obrigadas, por força de lei, a recolher uma cota do encargo na fatura do cliente. Em 2010, calcula-se que o total arrecadado vai, no mínimo, dobrar de tamanho, atingindo uma cifra de R$ 5,7 bilhões.

O consumidor é vítima de uma armadilha criada por iniciativas do governo e do Congresso. Eles produzem bondades localizadas às custas da maldade generalizada¿

Cláudio Sales, presidente do Acende Brasil

CEB leva a menor parte

Karla Mendes

Na divisão do bolo da tarifa, a concessionária que atende o cliente na ponta fica com a menor parte. No exemplo fictício de uma conta de luz de R$ 200, correspondente ao consumo de 493 kilowatts/hora por mês, a Companhia Energética de Brasília (CEB Distribuição) embolsa apenas 15,8% do total, ou exatamente R$ 31,66 (veja quadro na página 16). Com esse dinheiro, tem que investir na rede, pagar funcionários e custear as despesas fixas ¿ a taxa de iluminação pública, 8,5% da fatura, tem outra finalidade. Embora baixo, o quinhão destinado à CEB explica, mas não justifica, os frequentes cortes de energia ocorridos no Distrito Federal. Especialistas veem no problema um círculo vicioso. Se, de um lado, a concessionária não recebe o suficiente para se modernizar, de outro, não obtém ganhos de eficiência suficientes para pleitear o reajuste que precisa.

Nos cálculos do diretor de comercialização da distribuidora, Carlos Leal, do total arrecadado pela CEB nas contas de luz, apenas 21% entram no caixa da companhia. ¿Depois de feitos os pagamentos da energia comprada, transmissão e tributos, de cada R$ 100 pagos, fico com R$ 21 para custear todo o meu serviço. É muito pouco¿, reclama. O cenário é mais desfavorável à CEB quando se compara o valor cobrado no DF com o praticado nos estados. Apesar da renda per capita elevada, Brasília tem uma das menores tarifas do país. Assim, mesmo mantido o percentual arrecadado, na média, as distribuidoras de outras regiões arrecadam mais porque os preços são maiores.

Segundo Leal, a CEB também é castigada quando comparada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) à sua empresa de referência ¿ companhia fictícia que espelha a área da distribuidora ¿ na hora de definir o reajuste. Ele explica que, apesar de o mercado consumidor de Brasília ter uma realidade mais parecida com a de São Paulo, a agência compara os salários dos funcionários da distribuidora com a média do Centro-Oeste. ¿Se minha despesa mensal com pessoal for de R$ 200 milhões e a média usada pela Aneel, de R$ 120 milhões, a diferença entra como punição na definição da tarifa¿, explica.

A solução para diminuir o valor da tarifa de energia elétrica, para Leal, é reduzir o peso dos impostos na conta de luz, sobretudo o ICMS, o PIS e a Cofins. Segundo o executivo, do último reajuste, de 9,52%, pouco foi destinado à CEB e a remuneração teria sido insuficiente para compensar as perdas de 2008, quando as tarifas da companhia baixaram 7,3% por decisão da Aneel. A exemplo dos consumidores do país, que rateiam a conta do racionamento, a concessionária também sentiu o custo das usinas térmicas, acionadas para poupar os reservatórios das hidrelétricas e evitar apagões.

Maquiagem

Com demonstração limitada, os poucos tributos e encargos informados na conta de luz ainda continuaram meio escondidos na fatura da CEB, mesmo após a maquiagem feita pela empresa para melhorar o entendimento do cliente. A distribuidora fez alterações no layout do documento para destacar informações que considera ¿relevantes¿ para o consumidor: o código do cliente, a data de vencimento, o consumo de energia e o total a pagar ¿ todos na cor laranja, para chamar a atenção. Os demais dados permaneceram sem destaque. (Colaborou Márcio Pacelli)

O número Quinhão Empresa embolsa R$ 31,66 de uma fatura de R$ 200,00. Com esses 15,8% do bolo, a distribuidora tem que pagar as despesas e investir contra os apagões