Título: Você paga no escuro
Autor: Pacelli, Márcio
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2010, Economia, p. 16

A conta de luz que chega à casa do consumidor residencial não é clara. O brasileiro paga por encargos que desconhece, entre eles até taxa para cobrir eventual inadimplência de prédios públicos do Acre e de Rondônia

O brasileiro não faz ideia do que paga na conta de luz. Embora o volume de kilowatts/hora consumidos e os tributos tenham seus valores discriminados na fatura, as concessionárias não mostram, no detalhe, para onde vai o dinheiro cobrado do cliente. Por lei, os consumidores de todo o país recolhem, cada um, uma fortuna em taxas para cobrir gargalos e ineficiências na prestação do serviço, especialmente nos locais mais remotos do território nacional. Essa caixa-preta esconde aberrações como a que instituiu, em dezembro de 2009, a obrigação de que cada usuário arque com a inadimplência de órgãos estaduais e municipais do interior do Acre e de Rondônia na contratação da energia elétrica.

A bondade aos dois estados amazonenses, estabelecida pelo governo, ganhou vida na lei que regulamentou a prestação do serviço de energia nos chamados ¿sistemas isolados¿, especialmente os da Região Norte. Para custear a produção de térmicas que geram a óleo combustível e garantir luz elétrica aos habitantes de áreas remotas, cada brasileiro foi forçado, anos a fio, a pagar alguns reais na conta de energia. Mas, sem alarde, a recente conexão do Acre e de Rondônia ao sistema interligado do país dobrou o valor do subsídio para compensar perdas ¿eventuais¿ dos dois estados com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que deixou de ser arrecadado sobre o insumo das térmicas e até calotes da administração pública local.

Na conta de energia, o custo não aparece. Está diluído no item ¿encargos setoriais¿ listado na fatura emitida pela distribuidora. Um consumidor médio da Companhia Energética de Brasília (CEB Distribuição), por exemplo, que gastou R$ 200 por 493 kWh este mês, destinou R$ 1,79 para compensar as decisões nada transparentes do governo federal e do Congresso Nacional a favor do Acre e de Rondônia. O dinheiro vai para a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), um dos mistérios da caixa-preta que arrecadou, em 2009, R$ 2,72 bilhões. Além da conta, o mesmo brasiliense do exemplo pagou, sem saber, por outras taxas obscuras, como R$ 2,44 para a universalização do sistema elétrico, R$ 1,39 para o desenvolvimento de fontes alternativas e R$ 0,59 para evitar apagões no país (veja ao lado).

Tributos

O valor pago pela energia elétrica de fato é menos da metade da conta, algo próximo a R$ 87,19, já consideradas a compra do produto pela distribuidora e a sua transmissão entre a usina e a casa do cliente. O peso maior fica por conta dos tributos, como ICMS, PIS, Cofins e Imposto de Renda ¿ esse cobrado indiretamente e não discriminado na fatura. Somados, eles representam R$ 92, ou 46%, de tudo o que se pagou, em um mês, na conta de R$ 200. Expressiva, a parcela não é sentida assim pelo usuário. Ele não consegue ver, por exemplo, como é tributado cumulativamente na geração, na transmissão e na distribuição da energia que consome.

Não bastasse a elevada carga tributária(1), o consumidor que consome mais paga pelo de baixa renda. A nova Lei da Tarifa Social aprovada em janeiro, que beneficia as classes desabonadas, ainda não vale para a CEB por falta de regulamentação. Hoje, a empresa trabalha com um sistema de descontos gradativos por faixa de consumo até o limite de 80 kilowatts/hora mês. Com a mudança, terá direito quem tiver salário menor. A correção não evitou, contudo, uma nova distorção: pela lei, todo consumidor pagará pelo desconto de 100% aos quilombolas e comunidades indígenas que consumam até 50 quilowatts/hora por mês.

1 - Sem solução Os tributos cobrados na conta de luz foram alvo de críticas do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na sexta-feira. ¿Não podemos continuar com uma das energias mais caras do mundo¿, disse ele a um grupo de empresários. Mas, como sempre, o ministro não viu problemas da parte do governo federal. Atribuiu a responsabilidade aos governos estaduais, que não aceitam reduzir a alíquota do ICMS.

Visão do especialista Liberdade é solução

A transparência está em falta no setor elétrico brasileiro. Mas se os consumidores tivessem poder de escolha, o espaço para as distorções na conta de luz não seria tão grande, avalia Paulo Pedrosa, presidente da Abraceel, entidade que representa grandes usuários com liberdade para comprar energia de diferentes fornecedores. O consumidor residencial do Distrito Federal só pode ser cliente da Companhia Energética de Brasília (CEB Distribuição). A opção de contratar o serviço de qualquer outra distribuidora, a exemplo do que ocorre na telefonia, simplesmente não existe.

¿Precisamos evoluir para os modelos europeu e norte-americano, onde é possível escolher e comprar pela internet. É uma tendência mundial¿, diz Pedrosa. Se esse sistema valesse para o Brasil, qualquer cliente, mesmo o residencial, teria como escolher a tarifa e pagar por pacotes apropriados ao seu perfil de consumo. No modelo de Pedrosa, o brasiliense, por exemplo, compraria energia de qualquer outra distribuidora do país. A CEB faria a entrega, mediante uma tarifa. Em contrapartida, venderia a outros consumidores do país. A competição nesse nível evitaria os desequilíbrios. Mas, para virar realidade, exigiria mudanças que parecem não empolgar nem governo nem empresas. (MP)