Título: Negociação agrícola fica para setembro
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2005, Brasil, p. A4

Comércio exterior Representante brasileiro diz que só o G-20 levou propostas estruturadas à OMC

"Acabou. A negociação agrícola só será retomada em setembro." Foi o que declarou o principal negociador comercial brasileiro, Clodoaldo Hugueney, ao chegar ontem à Organização Mundial de Comércio (OMC) para as reuniões formais de uma semana que deveria produzir um pacote de medidas para pavimentar o acordo de liberalização das trocas globais. O Brasil e outros países exportadores consideram que, na ausência de movimento por parte dos Estados Unidos e da União Européia (UE) nas intensas negociações que ocorreram nos últimos dias, qualquer entendimento agora seria o pior cenário. Ou seja, é melhor manter o nível de ambição do que forçar um acordo ruim, com possibilidade menor de abertura dos mercados. Como nada é simples na OMC, o negociador europeu Peter Carl tomou outra direção. Mostrou-se "positivo" e garantiu que as discussões continuavam para se tentar algo até este fim de semana. No entanto, as discussões entre Brasil e UE, logo depois trataram já do futuro calendário da negociação. O cenário está traçado. Pascal Lamy assume a direção da OMC em setembro e convocará uma miniconferência de ministros por volta do dia 10 de outubro. Se até lá os países não produzirem algum resultado sobre a estrutura da negociação, o fiasco estará quase garantido na conferência ministerial de Hong Kong, em dezembro. Nas longas horas de negociações desde a semana passada, houve alguns avanços técnicos. Mas eles dependem de uma série de outras condições. Por exemplo, os EUA aceitam uma fórmula mais rígida para cortar subsídios domésticos, mas desde que o Japão reduza mais. Pelos cálculos de Hugueney, os subsídios domésticos totais dos EUA precisam ter uma redução de pelo menos 70%; os da UE entre 75% e 80% e os do Japão algo parecido. Sem isso, não há efeito. A chave está com o Japão. Se insistir em cortar só 30% a 40% da ajuda interna a seus agricultores, para manter os preços da produção em níveis superiores àqueles do comércio internacional, a Rodada Doha vai para os ares de vez. Para Hugueney, o Brasil não perde nada com o atraso na negociação "Saímos com posição consolidada, porque o G-20 foi o único que colocou propostas estruturadas na mesa", reafirmou. O europeu Peter Carl elogiou a "liderança brasileira" e disse que prefere trabalhar em cima da proposta de acesso ao mercado do G-20 do que formalizar suas "idéias" que já foram rejeitadas pelo grupo. O mediador agrícola Tim Groser praticamente se despediu ontem. Nesta sexta-feira deve ser escolhido outro. Os países balançam entre o também neo-zelandês Falconer Crawford e o chileno Alejandro Jara. O uruguaio Guillermo Vallez apareceu na reta final. Com o impasse na agricultura, a negociação industrial também está paralisada. O mediador confirmou aos 148 países que persiste a divergência sobre a fórmula para cortar as tarifas de importação de produtos industriais e bens de consumo. Os países estão brigando sobre um ou outro termo também para dar livre acesso às exportações de países mais pobres. Produtores europeus apareceram na OMC para protestar. Querem manutenção dos subsídios. Organizações não governamentais (ONGs) gastaram toneladas de papel com novos relatórios denunciando EUA, UE e outros industrializados de deliberadamente atrasarem a Rodada Doha para aumentar a pressão em Hong Kong e levar países em desenvolvimento a uma situação insustentável: aceitarem um acordo ruim, ou provocarem o colapso da Rodada e marginalização da OMC. Para Hugueney, a responsabilidade do fiasco de julho é coletiva. Mas uma coisa está clara, na visão brasileira: mais do que nunca, se a negociação agrícola não for desbloqueada, o resto continuará paralisado.