Título: Renilda aproveita depoimento para passar recados ao Planalto
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2005, Política, p. A6

Integrantes da CPI Mista dos Correios, aliados do governo ou não, concluíram ontem que o depoimento de Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, esposa do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, foi meticulosamente planejado para servir de alerta ao Palácio do Planalto, ao PT e aos sócios das empresas SMP&B e DNA Propaganda. Segura e articulada - apesar de ter chorado cinco vezes -, Renilda de Souza repetiu enfaticamente, em pelo menos nove ocasiões, que o ex-ministro da Casa Civil, deputado José Dirceu, participou de duas reuniões com as diretorias do Banco Rural e do BMG para discutir os empréstimos tomados em nome das empresas de Valério para o PT. Foi a única informação nova que ela deu à CPI. Pelo depoimento de Renilda, ficou claro que Marcos Valério não está disposto a assumir responsabilidades sozinho. "Ele me disse que o José Dirceu sabia dos empréstimos. O que me preocupa é como isso vai ser pago", disse ela, defendendo que o marido acione a Justiça contra o PT. Dos petistas, ela disse ter conhecido apenas o ex-tesoureiro Delúbio Soares, que disse ter visto uma única vez e que teria solicitado a Valério para fazer os empréstimos. Marcos Valério e Delúbio conversaram recentemente por telefone, disse Renilda. Na seara petista, Renilda confirmou que, em maio deste ano, ela e o marido tiveram um encontro com o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, em Belo Horizonte. O petista teria convidado o casal para uma atração cultura - um show mágico - do circuito cultural do BB. A DNA Propaganda tinhas as contas do banco. O marido, segundo ela, nunca se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ele não conhece o presidente Lula e não teve nenhum encontro com ele", assegurou. Chamou a atenção dos parlamentares ainda outra novidade detalhada por Renilda: Valério tem amplo conhecimento sobre o funcionamento de instituições financeiras. Foi gerente e membro do Conselho do Bemge, trabalhou no Agrimisa e prestou até consultoria para o Banco Central. Hoje, os parlamentares da comissão travarão nova queda de braço para decidir se Dirceu será convocado a depor. O relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), disse que talvez não seja necessário convocar o ex-ministro porque ele prestará depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, no dia 2 de agosto, e a comissão poderá solicitar a íntegra das informações. Se de um lado a oposição insistirá na convocação do ex-ministro, o PT, na outra ponta, vai tentar convocar o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). A DNA Propaganda fez empréstimo com o Rural e usou como garantia contratos com o governo mineiro, quando Azeredo era governador. Procurados pelo Valor, os dois bancos confirmaram os encontros com o ex-ministro Dirceu, mas negaram que houve discussão sobre os empréstimos ao PT. O deputado José Dirceu endossou a versão: disse que teve encontros com dirigentes dos bancos em ocasiões diferentes, mas nunca tratou de empréstimos ao PT. O encontro com o Rural ocorreu, segundo Renilda, no Hotel Ourominas, em Belo Horizonte. Já a reunião com o BMG teria sido em Brasília. Disse que tomou conhecimento dos encontros ao indagar o marido sobre como pagaria os empréstimos. Valério lhe contou, então, sobre as reuniões de Dirceu com os bancos. O empresário, disse, não estava presente em nenhuma delas. Segundo a assessoria de imprensa do Banco Rural, Kátia Rabello, presidente-executiva da instituição, e Plauto Gouvêa, diretor de Assuntos Financeiros e Contábeis, reuniram-se com o ex-ministro no hotel para tratar da liqüidação judicial do Banco Mercantil de Pernambuco, do qual o Rural tem participação acionária de 22%. A direção do banco aproveitou que Dirceu participava de um evento do PT em Belo Horizonte e fez o convite para um jantar. Essa informação destoa da versão para os encontros entre Dirceu e a direção do Rural dada por Valério à CPI. Ele disse que o banco tinha interesse em informar ao então ministro que pretendia explorar uma mina de nióbio no Amazonas. Já os advogados do BMG informaram que diretores do banco tiveram dois encontros com José Dirceu: almoçaram no gabinete do ex-ministro em Brasília, no dia 20 de fevereiro de 2003, e o convidaram a participar da inauguração da fábrica Jurema, de propriedade do grupo. O encontro seguinte foi na própria inauguração, em 9 de maio de 2003, da qual participaram várias autoridades. Foram as duas únicas ocasiões, enfatizou o banco. Sobre as movimentações financeiras, patrimônio pessoal e empréstimos feitos pelas empresas que estão em seu nome - e não no do marido - a partidos políticos, Renilda de Souza tentou se mostrar alheia e desinformada. Não convenceu os integrantes da CPI, sobretudo porque a movimentação financeira de ambos em três contas conjuntas - Banco do Brasil, BankBoston e Banco Alfa - foi de R$ 5,2 milhões em 2003 e de R$ 4,7 milhões em 2004; e o patrimônio do casal saltou de R$ 3,8 milhões em 2002 para R$ 18 milhões em 2004. Renilda disse que a família possui quatro carros, 13 cavalos e duas casas na capital mineira. Afirmou movimentar só a conta-salário de Valério, abastecida por mês com R$ 60 mil; e uma conta de pro-labore dela, de R$ 3,5 mil. Cuidadosa, Renilda Soares não fez nenhuma revelação que pudesse comprometer o marido. "Há 25 anos conheço o Marcos Valério. Se eu não confiasse nele, não justificaria ter me casado", afirmou. Ela disse não acreditar na existência do mensalão e também discordou da versão que o marido é um grande arrecadador de dinheiro para campanhas eleitorais de partidos. "Ele me disse: mensalão nunca fiz, nunca paguei." A CPI deverá convocar os sócios de Valério. (Colaborou Henrique Gomes Batista).