Título: Governo já estuda acordo com oposição
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2005, Especial, p. A12

Crise Entendimento passaria pela cassação de mandatos e medidas para coibir o uso de caixa 2 nas eleições

À medida que vai se configurando um esquema de lavagem de dinheiro, através das empresas de Marcos Valério, que se estende além do PT - já resvalou no presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), no PFL do deputado Roberto Brant (MG), sem falar do PMDB do deputado José Borba (PR) - o governo Lula, através de alguns ministros, começa a considerar a possibilidade de uma conversa com as oposições. Numa visão ainda embrionária, seria um entendimento político a ser costurado em torno de pelo menos três aspectos expostos pela crise, segundo disse um ministro do governo Lula ao Valor: uma limpeza nos diversos partidos, com cassações de mandatos de parlamentares envolvidos com o "mensalão"; medidas para coibir o uso do caixa 2 nos financiamentos de campanha; e a preservação dos bons fundamentos macroeconômicos. "Esse entendimento pode ser feito tanto através da proposta do deputado Delfim Netto (PP-SP) como da do senador Jefferson Peres (PDT - AM ) ou de alguma outra que surgir. Estamos abertos a qualquer coisa", disse a mesma fonte, fazendo, contudo, pelo menos uma restrição: "Não pode haver salvaguarda para ninguém." Ou seja, não seriam protegidos parlamentares de nenhum dos partidos, desde que comprovadas, nas investigações, a prática de atividades ilegais. "Não dá mais para falar em cassação de uns 10 ou 15 parlamentares. É coisa pra mais de 40", avalia alta fonte oficial. O governo prepara medidas para enviar ao Congresso, destinadas a criminalizar no Código Penal a prática do caixa 2 em campanhas eleitorais. Atualmente, o uso de dinheiro ilegal por partidos políticos é considerado crime eleitoral e passaria, mediante projeto de lei, a ser classificado como lavagem de dinheiro, com a penalização que cabe a essa prática. Para isso, contudo, é preciso que os parlamentares estejam dispostos a votar. Na avaliação da área econômica, a crise política não afetou a economia a não ser de forma episódica e tênue, com os mercados se estressando na sexta e na segunda- feiras. Há 60 dias que o assunto ocupa a mídia, vasculham-se contas bancárias, mas não houve nada que atingisse o governo . A possibilidade de um impedimento do presidente, hoje, praticamente inexiste, mas seria importante um entendimento político em torno dos próximos 17 meses de governo, para superar a paralisia e não estragar os fundamentos da economia. Na mesa, estão duas sugestões não-excludentes. A deputado Delfim Netto, que envolve um novo programa fiscal voltado para zerar o déficit das contas nominais do setor público até 2009; e a de Jefferson Peres, que aponta uma saída similar à chilena na transição da ditadura para a democracia, quando foi feito um acordo entre os partidos para sustentar o equilíbrio econômico. Essa conversa, entretanto, se ocorrer deverá ser em outras bases. "FHC, que há um mês atrás estava sugerindo que Lula não concorresse à reeleição, agora vê o presidente do seu partido, senador Eduardo Azeredo, , envolvido no esquema de Marcos Valério", lembra o ministro. No Congresso, saída negociada da crise é vista com reservas. Isso porque são encaradas como iniciativas isoladas, às quais o Planalto não costuma dar conseqüência na prática. Não haveria no governo uma gerência articulada da crise. Lula tem conversado com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), como ocorreu semana passada, com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), o presidente do STF, Nelson Jobim, e mais raramente com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Mas não são dadas seqüências a essas iniciativas. Todos temem o agravamento da crise. Políticos como Sarney e Renan praticamente submergiram e têm evitado a imprensa. Sarney, aliás, em conversas informais, tem revelado pessimismo em relação ao futuro do governo Lula. E todos se queixam de que o governo não dispõe de um interlocutor com o qual se possa discutir saídas para a crise. (Colaborou Raymundo Costa)