Título: "Proposta de pacto é apenas para blindar a economia"
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 27/07/2005, Especial, p. A12

O senador Jefferson Peres (PDT-AM) está empenhado em costurar um pacto político dos quatro maiores partidos no Congresso - PT, PSDB, PFL e PMDB -, visando criar condições para evitar o caos político, econômico e social no caso de ameaça de impeachment do presidente Lula. Ele se considera um verdadeiro "Don Quixote" por estar investindo neste consenso num momento em que "o Congresso está em chamas". Mas não acredita que seja impossível uma concertação entre governo e oposição mesmo com o pano de fundo das CPIs. Sua proposta não visa barganha política entre as partes envolvidas. "Não quero nada em torno de pacificação, porque o que proponho é um acordo em torno da estabilidade econômica e do crescimento, como aconteceu no Chile. Não quero acordo para evitar o impeachment, quero um acordo para blindar a economia com superávit primário de 5% do PIB sem cortes nos gastos de saúde, educação e social, sem metas de inflação e com juro baixo. Isto é que difere minha proposta da do Delfim". O senador já conversou com representantes do PSDB e do PFL sobre seu plano. O PSDB considerou sensata sua idéia, mas quer um sinal do Planalto. "Falei com lideranças do PFL e em princípio dizem sim ao acordo". Peres teme, porém, os radicais, que ele denomina de "incendiários", que apostam numa crise econômica que enfraqueça Lula, caso ele não seja derrubado. Para Peres, a popularidade de Lula persiste, "porque os que ficam decepcionados com Lula não têm saudades dos tucanos". Abaixo, os principais pontos da entrevista. Valor: O sr. conclamou seus pares no Legislativo a uma concertação para evitar o caos. Como viabilizar esse pacto num momento em que o Congresso está em chamas e o governo sob fogo cerrado? Jefferson Peres: O pacto seria com os quatro maiores partidos , já que não falo pelo PDT: PMDB, PT, PSDB e PFL. Juntos eles têm a maioria absoluta nas duas casas do Congresso. Unidos e coesos podem aprovar qualquer lei ordinária sem depender dos outros. Se houvesse entendimento para valer já facilitaria as coisas. Valor: Como o sr. pensa em costurar este pacto na atual conjuntura? Peres: O pacto não pressupõe barganha política em torno de coisas como a oposição pedir ao Lula que não se candidatasse em 2006. O Lula não poderia responder que não se candidata se não aprovarem seu impeachment. Também no meu pacto nada será acertado em torno de investigações, assuntos como desativar CPIs, limitar outras ou se tiver que cassar, cassaremos só alguns. Não tem acordo quanto a isto. As CPIs que prossigam e cheguem onde têm que chegar. Não quero este tipo de barganha. PT e PMDB continuam dando apoio ao governo e PSDB e PFL na oposição. Não quero nada em torno de fazer pacificação, cada um na sua. No plano político as coisas se manteriam sem modificação. Valor: Então, esse acordo seria feito em torno e em nome de quê? Peres: O pacto seria feito em torno da estabilidade econômica com crescimento, como aconteceu no Chile. Não quero evitar o impeachment com esse acordo. Quero é blindar a economia, evitar o que chamei de nó górdio. Estamos controlando a inflação e se continuarmos apertando a política monetária o país não cresce. Ao mesmo tempo, se afrouxar a política monetária a inflação volta. Este é um dilema infernal. Valor: Quais são as diferenças de sua proposta da proposta de déficit nominal zero do Delfim Netto? Peres: Em primeiro lugar, não defino metas e nem prazo para chegar lá. Acho temerário porque engessa a política monetária. Defendo o aumento do superávit primário para 5%, porque acredito que contenção fiscal pode baixar a inflação, mas sou contrário a manter metas de inflação. Uma inflação de um dígito, 9% ao ano é bom. Superávit primário com arrocho monetário é terrível, pode ser muito perverso para o povo. Sou contrário a mexer na DRU, as receitas da União sujeitas a corte. Não concordo em dobrar de 20% para 40% os percentuais de cortes, acho inviável porque afeta educação e saúde, o que poderá gerar reação na sociedade e no Congresso, além de exigir quórum qualificado de 3/5 para mudar a Constituição. Na prática isto não passa no Congresso, na minha proposta de consenso estou blindando educação, saúde e área social. Valor: As margens para corte de despesas de custeio são muito pequenas este ano. Será difícil proteger educação e saúde da tesoura como o sr. pretende. Peres: O que proponho são cortes de 80% a 90% dos cargos comissionados, redução em pelo menos 50% nas verbas de publicidade que beiram R$ 1 bilhão, cortes em despesas de viagem que custam um dinheirão e que os parlamentares abram mão das emendas parlamentares no Orçamento tanto neste exercício como no próximo. São R$ 3 bilhões só de emendas individuais. É uma proposta difícil e é preciso ter visão de estadista para se chegar lá. O governo, da sua parte, além de mandar uma proposta orçamentária austera para o Congresso com vistas a alcançar esse objetivo, a partir de um acordo político já selado, também teria que pressionar o Copom para baixar os juros sistematicamente. Se a redução fosse de 0,25 ponto percentual ao mês chegaríamos ao final desse ano com um juro nominal de 18% e em 2006 com 12% e 7% de juro real. A coisa funcionária mesmo em 2006, ano eleitoral em que o governo pode se ver tentado a enveredar pelo populismo. Valor: O sr. disse que o pacto político não visa impedir o impeachment de Lula. Acha que isto pode ocorrer? Peres: Não pretendo propor pacto para impedir o impeachment. Isto seria uma proposta indecente, porque se houver provas que o Lula realmente participou disso que está aí temos que pedir seu impeachment. Não podemos fazer um acordo em torno disso. Se não houver o acordo político e se estabelecer um clima de guerra, o país poderá mergulhar numa crise econômica que será terrível, caso não sejam tomadas medidas no campo econômico. Reconheço que estou fazendo um papel quixotesco. Talvez eu seja um "Don Quixote". Valor: Como está a disposição da oposição? Peres: O PSDB considerou a proposta sensata, mas quer um sinal do Planalto. Em nome da estabilidade econômica aceita conversar. Falei com lideranças do PFL. Em princípio dizem que sim. Não sou articulador político . Acho que caberia a eles, se quiserem, fazer isto. Estou dando minha contribuição, porque não sou nem de um grande partido. Valor: O sr. falou que teme nessa crise os radicais, os incendiários da oposição... Peres: Acho que há radicais na oposição e alguns estão torcendo pelo pior. Para eles a crise econômica, se vier, enfraquece o Lula e o ajuda a perder a eleição de 2006. Parece que alguns políticos não raciocinam. Já vi insinuações neste sentido. Valor: Como explica a popularidade de Lula mesmo nesta crise? Peres: Porque os que ficam decepcionados com Lula não têm saudades dos tucanos. Votei em Lula porque o FHC foi ruim, pensa o povo. E pela identificação. O Lula é um símbolo para os pobres. Ele continua sendo um símbolo de ascensão social para os de baixo. Cada homem humilde do povo se identifica com ele. Mas, também podem concluir que ele é um governante ruim e deve sair.