Título: Adotar déficit nominal zero é trocar seis por meia dúzia
Autor: Marcos Costa Holanda
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2005, Opinião, p. A10

Problema da proposta é transformar em meta o déficit, e não a dívida pública

Atualmente, a grande novidade do debate econômico é a proposta de déficit nominal zero. Para nós, novidade mesmo é a aceitação de uma proposta que, na essência, nada tem de novo como alternativa para mudar a estratégia macroeconômica do país. Existem duas palavras chaves na implementação de uma política macro: consistência e persistência. Infelizmente no Brasil temos um histórico de alternância e não de simultaneidade de tais características. Avançamos muito na consistência da política macro, mas a falta de persistência abre espaço para o surgimento de fórmulas inovadoras, quase mágicas, para alcançar a estabilidade e o crescimento sustentado. A fórmula de déficit zero surge de um diagnóstico em voga que rotula a política monetária como ineficaz e a política fiscal como frouxa. Nesse caso a solução para garantir a estabilidade é ajustar a demanda agregada via corte de despesas do governo. O diagnóstico de ineficácia da política monetária é no mínimo precipitado. Em qualquer economia decente, a política monetária, via taxa de juros, continua sendo a principal política de estabilização da economia. Não existe razão para no Brasil ser diferente. Não devemos confundir defasagem de efeito com ineficácia. Nem devemos menosprezar a importância das expectativas dos agentes em relação à capacidade do Banco Central de aplicar, hoje e no futuro, essa política de forma independente. Em resumo, propor déficit nominal zero é simplesmente propor elevar o superávit primário. Como a conta de juros é hoje próxima dos 7% do PIB, déficit nominal zero significa elevar o superávit primário para esse valor. Essa elevação pode ser menor dependendo do espaço de tempo em que se quer atingir essa meta. Um problema fundamental da proposta é inverter uma regra básica de política macro, transformando em meta o instrumento (o déficit) e não a variável relevante (a dívida). E mais, escolher como instrumento a ser mirado (targeted) aquele que o governo não tem pleno controle, que é o déficit nominal, e não aquele que ele controla, que é o déficit primário. É argumentado que a chave do sucesso da proposta é a credibilidade que ela possa ter. A questão chave aqui é: qual a diferença entre ter propostas críveis de déficit nominal de um lado e de superávit primário do outro? A mensagem aqui é clara: a questão não é o tipo de déficit a ser perseguido, a questão é a conquista de credibilidade. Não adianta querer criar caminhos alternativos ou "novidades": a essência da política fiscal é a trajetória da dívida pública. Ela é a meta a ser perseguida, ela é a meta a ganhar credibilidade. Da mesma forma que nas metas de inflação, a meta de dívida deve ser perseguida dentro de intervalos realistas de variação. O importante aqui é ganhar credibilidade de que uma tendência, macroeconomicamente consistente de redução da dívida vai ser alcançada.

O importante para uma política de redução da dívida não é o seu ritmo, mas a certeza de que o governo vai sustentá-la

A meta de déficit nominal zero torna a trajetória da dívida endógena. Isto é, o ritmo de sua redução passa a ser desconhecido a priori. Chegamos aqui ao nosso ponto principal. Se o governo ganha credibilidade de que vai manter uma redução contínua e sustentável da dívida, qual a diferença, do ponto de vista macro, de se ter diferenças marginais no ritmo de tal redução? Em recente artigo no Valor (04/07/2005), Fábio Giambiagi mostra que se o primário for elevado de 4,25% para 5% do PIB, a dívida pública passa dos atuais 52% do PIB para 51% em 2006, para 48% em 2007 e para 45% em 2008. Nesse mesmo exercício ele mostra que o déficit nominal zero é alcançado em 2008. Considerando os mesmos parâmetros de Giambiagi, se o primário for o velho 4,25% do PIB, a dívida de 2008 seria não de 45% do PIB, mas de 47%. Nesse caso, qual a diferença de impacto na redução dos juros, que é em última instância o que importa, de se ter dívida em 2008 de 47% e não de 45% do PIB? Os juros cobrados para financiar uma dívida de 45% do PIB seriam muito diferentes daqueles para financiar uma dívida de 47%? Se quisermos uma real novidade na política fiscal, que façamos um choque de gestão dentro do velho primário de 4,25%. A novidade seria uma sinalização clara e crível que os 4,25% de primário são para valer e permanentes no médio prazo e uma demonstração concreta de que sua qualidade vai ser melhorada via aumento de investimentos, ganhos de eficiência da máquina pública e cortes de gastos correntes. Hoje sua qualidade é bastante questionável, pois em sua construção tem preservado gastos de custeio, pessoal e previdenciários em detrimento de gastos com investimentos. Gasta-se mal no custeio, mal no pessoal e muito e mal no previdenciário. A qualidade do superávit primário é uma questão de política de desenvolvimento econômico, com efeitos no médio e longo prazo. É ela quem vai definir o perfil dos fatores de produção de nossa economia e sua capacidade de crescer no futuro. Se o custeio não evitar o desperdício de recursos e não viabilizar uma sociedade melhor educada e com mais saúde e segurança, se os gastos com pessoal não permitirem a atração de servidores com capacidade de gestão e se os gastos previdenciários continuarem privilegiado poucos, dificilmente conseguiremos crescer de forma sustentada. A chave da consistência da política macro é a conquista da credibilidade de que a dívida pública vai seguir uma trajetória firme e contínua de queda e de que a inflação será mantida baixa por um Banco Central independente. Que fique claro um ponto: juros e primário são apenas instrumentos da política macro, mas eles não são a política macro. Alcançada essa consistência, é sendo persistente e resistindo às fórmulas inovadoras de plantão que os resultados surgirão.