Título: Farra do IR está de volta e beneficia empresas
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Tributário Legislativo chancela planejamento em incorporações

Um descuido ou esquecimento do Congresso Nacional trouxe de volta à legislação brasileira um dispositivo que permite um planejamento tributário em cisões e incorporações que pode reduzir consideravelmente o recolhimento de imposto de renda pelas empresas por até cinco anos seguidos. O artigo 15 da Medida Provisória (MP) nº 232, que revogava o artigo 36 da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, foi suprimido na conversão da MP na Lei nº 11.119, e portanto passa a vigorar novamente. A MP nº 232 foi amplamente combatida pelo empresariado brasileiro e por isso teve seus artigos 4º a 13º revogados pela MP nº 243. Mas o artigo 15 da então MP nº 232 - que revogava o artigo 36 da Lei nº 10.637 - permaneceu na MP e só desapareceu na conversão da 232 na Lei nº 11.119. Todo este trâmite e confusão de leis e artigos só serviu para uma coisa, segundo especialistas: tirar qualquer dúvida de que tal planejamento não só é possível como legal. "A revogação na MP nº 232 provou que a Receita considera o artigo 36 como passível do planejamento", diz o tributarista Eduardo Fleury. Basicamente, o artigo 36 - que virou lei no último dia de governo Fernando Henrique Cardoso - permite que as empresas que tenham seu capital desatualizado façam a correção sem pagar os 34% em tributos que decorrem do ganho de capital de uma operação como esta. Estes tributos ficam diferidos e só são pagos no caso de venda. Então, uma empresa A, por exemplo, que possui ações de uma empresa operacional B pode criar uma terceira empresa, a empresa C, que recebe todo o capital da empresa B com um ágio, atualizando assim o capital. Basta apenas um laudo contábil para se fazer a operação, segundo o tributarista Roberto Haddad, da Branco Consultores. Mas a economia vai além. O mesmo artigo permite que a empresa C, do exemplo anterior, incorpore a empresa B, e neste ponto entra o benefício da "dedutibilidade do ágio". Essa dedutibilidade está prevista no artigo 386 da lei do imposto de renda, que diz que uma pessoa jurídica que incorpora outra pode amortizar o valor do ágio em 1/60 (um sessenta avos) do total para cada período de apuração, ou seja, pode deduzir o ágio de seu imposto de renda a pagar, mensalmente, por cinco anos. Advogados contam que algumas empresas conseguiram valorizar seu capital de tal forma que ficarão sem pagar imposto de renda pelos próximos cinco anos. Um deles conta o caso real de uma empresa que valorizou seu capital de R$ 800 milhões para R$ 8 bilhões. O desconto do ágio de R$ 7,5 bilhões está permitindo uma economia de R$ 200 milhões por ano em imposto de renda. Hoje essa empresa, apesar de lucrativa, não paga nada de imposto de renda e dificilmente o fisco poderá contestar essa situação. A própria Receita Federal admitiu a possibilidade do planejamento tributário em cisões e incorporações na exposição de motivos para a revogação do artigo 36, que o Congresso Nacional deixou de fora da Lei nº 11.119. Assim, as empresas que antes tinham medo de usar esse dispositivo não mais terão, segundo Roberto Haddad. Ele acredita que passa a ser totalmente legal o planejamento, apesar de recomendar que o artifício de dedutibilidade do ágio não seja usado. Ele diz que muitas empresas usam esse planejamento apenas para deixar os balanços mais robustos e com isso facilitar a contratação de financiamentos do BNDES ou de bancos privados, por exemplo. De acordo com o tributarista Renato Nunes, o ganho de capital já podia deixar de ser tributado com base no artigo 36 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, ainda em vigor. "Mas esse decreto era mais genérico e não tão específico quanto a Lei nº 10.637", diz. Apesar de muitas empresas já estarem correndo para se beneficiar deste planejamento, o advogado Yun Ki Lee, do escritório Dantas, Lee, Brock e Camargo, diz que é preciso cautela, pois a Receita pode se valer de uma questão discutível. A Lei de Introdução ao Código Civil diz, no parágrafo 3º do artigo 2º, que "a lei revogada não se restaura por ter a lei revogada perdido a vigência". Mas fontes da própria Fazenda dizem que, por se tratar de uma medida provisória, tal artigo não caberia.