Título: A proibição de patentes de remédios para a AIDS
Autor: Paulo de Bessa Antunes
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Espera-se que o Senado não aprove o Projeto de Lei nº 22, pois estará evitando um equivoco de proporções inimagináveis"

A Câmara dos Deputados aprovou recentemente o Projeto de Lei nº 22, cujo objetivo é o de proibir a concessão de cartas patentes para remédios contra a Síndrome de Imuno-Deficiência Adquirida (AIDS). O projeto vem revestido de uma grande esperança por parte de diversos setores que julgam que, mediante sua aprovação, o preço dos medicamentos para a AIDS será rebaixado e o governo poderá adquirir uma quantidade maior de medicamentos para a grave doença, o que, em tese, significaria uma maior quantidade de pacientes atendidos. Visto desta forma simplista, certamente, o Projeto de Lei nº 22 seria uma solução. Entretanto, caso o assunto seja examinado com um pouco mais de vagar, veremos que o tiro poderá sair pela culatra. O interesse manifesto do projeto não é o de defender os doentes de AIDS, mas sim o de rebaixar os preços dos medicamentos. Logo, o objetivo não é a defesa do interesse público primário, isto é, o interesse da sociedade. Trata-se da defesa de um interesse público secundário, ou seja, do orçamento do Ministério da Saúde. Aqui, como se sabe, o governo dispõe de outros meios para a redução do preço de produtos postos no mercado. Caso a confiscatória carga tributária que hoje incide sobre os medicamentos fosse reduzida, certamente os preços finais ao consumidor acusariam uma variação. Muitas outras medidas poderiam ser adotadas. Do ponto de vista jurídico, o Projeto de Lei nº 22 traz em si uma enorme aberração, que é a escolha arbitrária entre produtos iguais para a concessão ou não de patentes. Com efeito, o Brasil admite a concessão de patentes para todas as invenções que preencham os requisitos de patenteabilidade previstos na Lei de Propriedade Industrial, inclusive remédios. Ora, qual a base constitucional para que determinados remédios sejam patenteados e outros não? Na verdade, nenhuma. O que se observa é que a questão de fundo é a própria patenteabilidade dos remédios, que é uma novidade no Brasil e que, infelizmente, tem gerado muitos equívocos.

O fim da possibilidade do patenteamento serve de quebra de confiança no sistema de patentes e de desincentivo à pesquisa

Durante anos se sustentou que a inexistência de patentes no setor farmacêutico seria um estímulo para que a pesquisa nacional se desenvolvesse. A premissa demonstrou-se falsa, pois não houve tal desenvolvimento. Após a nova Lei de Propriedade Industrial, os laboratórios nacionais passaram a ter uma proteção adequada para as suas pesquisas e, na medida de suas possibilidades, têm buscado inovar e realizar pesquisas capazes de gerar uma produção significativa de patentes. A supressão da possibilidade de patenteamento de remédios para a AIDS, além de discriminatória - pois elege uma classe de produtos para uma determinada doença -, serve de quebra de confiança no sistema de patentes e, portanto, de um desincentivo para toda e qualquer pesquisa. Uma questão que tem sido pouco explorada na questão dos remédios e da proteção da propriedade intelectual é o fato de que a proteção de patentes, no regime jurídico brasileiro, é feita no interesse social e somente neste. Ao conceder uma patente, a administração pública está reafirmando o fato de que a proteção da propriedade intelectual atende ao interesse público primário nos seus mais diferentes aspectos, pois assegura o constante desenvolvimento da ciência e da tecnologia que, no fim das contas, implica em uma melhor qualidade de vida para a população. Se o programa de combate à AIDS no Brasil é reconhecidamente um sucesso, não se pode esquecer que o seu êxito é uma conseqüência direta da boa qualidade dos remédios que estão disponíveis no mercado. E esses remédios, como se sabe, só existem porque suas pesquisas foram protegidas por adequados mecanismos de patentes que, de resto, são concedidos por prazo certo. Findo o prazo da proteção das patentes, esses remédios podem ser comercializados como genéricos. Espera-se que o Senado Federal não aprove o Projeto de Lei nº 22, pois estará evitando que se cometa um equivoco de proporções inimagináveis para o Brasil, os doentes, a pesquisa científica e para os próprios laboratórios nacionais. Além do fato de atentar contra a Constituição Federal e contra tratados internacionais firmados pelo Brasil, como é o caso do TRIPS.