Título: Mantega se opõe a choque fiscal para blindar economia
Autor: Claudia Safatle, Sergio Lamucci e Vera Saavedra Du
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Presidente do BNDES defende meta de superávit primário

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, defende o cumprimento estrito da meta de superávit primário de 4,25% do PIB neste ano, opondo-se com firmeza ao aumento do esforço fiscal. Para ele, são bem-vindas as discussões em curso para garantir o crescimento e blindar a economia da turbulência política, como a proposta de déficit nominal zero do deputado Delfim Netto, desde que não impliquem cortes de gastos sociais e, principalmente, não inibam o investimento. Elevar a meta de superávit primário de 4,25% para 5% do PIB, como propõem economistas mais ortodoxos, tem essas contra-indicações, afirma Mantega, que não gosta da idéia de um choque fiscal. "O único choque que eu poderia admitir é o choque de gestão." Em entrevista ao Valor, Mantega diz que já existem condições para a queda dos juros, avalia como equivocado o diagnóstico de que houve inflação de demanda no país e faz críticas à gestão da dívida pública. Segundo ele, já há confiança suficiente na política fiscal para que o Tesouro venda mais títulos prefixados longos e menos papéis com vencimento no curto prazo corrigidos pela Selic. "Não sei dizer por que isso não é feito." Mantega está empenhado em colocar o BNDES no debate para blindar a economia da crise política, tanto que vai se reunir com toda a diretoria da instituição num almoço com Delfim amanhã, na sede do banco. Na próxima semana, encontra-se com economistas como Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, o ex-secretário da Fazenda paulista Yoshiaki Nakano e o professor Paulo Nogueira Batista Jr., da FGV. Depois será a vez de líderes empresariais, como o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, e o da Fiesp, Paulo Skaf. Em todos os encontros, a preocupação é encontrar formas de preservar a estabilidade. Das idéias em discussão, o presidente do BNDES diz que vê com mais simpatia as que têm sido defendidas pela CNI. A entidade propõe uma agenda mínima para a governabilidade, que tem como um dos destaques a garantia do investimento. Sobre a proposta de Delfim, de zerar em quatro anos o resultado das contas públicas nominais (que incluem os gastos com juros), Mantega afirma que não a conhece em detalhes para opinar, e por isso vai conversar com o deputado para conhecer em profundidade a idéia. Ele diz que o propósito de Delfim de reduzir mais rapidamente os juros pela implementação do déficit zero é interessante, mas faz questão de dizer que será contrário a ela se significar aumento do superávit primário. Mantega não considera fundamental zerar o déficit nominal, mas sim reduzir a relação dívida/PIB, o que acredita ser possível com a atual meta de 4,25% do PIB. A relação dívida/PIB, que em dezembro de 2002 chegou a 55,5%, ficou em 50,9% em junho. "Se o objetivo é reduzir mais rapidamente a relação dívida/PIB, você pode criar condições para o PIB crescer de formas mais robusta. Nesse sentido eu estou de acordo." Ele enfatiza ser contra aumentar o superávit primário para 5% do PIB. "Isso inibe o investimento", afirma. "Há uma tentação do governo de fazer um superávit maior, mas deixando de liberar recursos para áreas que são prioritárias como a logística, para portos, ferrovias e rodovias." Para Mantega, está provado que o governo tem responsabilidade fiscal e vai cumprir com folga a meta de 4,25% do PIB. Nos 12 meses terminados em junho, o saldo acumulado é de 5,1% do PIB. Ele defende o uso dessa gordura no segundo semestre para elevar o investimento, principalmente em infra-estrutura. O fato de o governo manter há vários meses superávit primário de 5% do PIB no acumulado em 12 meses não quer dizer que a meta será elevada para esse patamar, ainda que de maneira informal, acredita. "A trajetória do superávit primário é maior no primeiro semestre e menor no segundo, e a do investimento é menor no primeiro semestre e maior no segundo." Mantega é crítico da idéia de choque fiscal, mas apóia a proposta de choque de gestão no setor público, principalmente na Previdência. "É onde em pouco tempo se pode economizar mais. Com aumento da eficiência da arrecadação e redução de evasão, você pode economizar R$ 7 bilhões, R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões por ano." Ele acredita que é possível obter outros ganhos de eficiência, como no caso das compras do governo, que totalizam R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões por ano. Ele lembra que o governo implantou recentemente as compras eletrônicas, adotadas depois de um trabalho no Ministério do Planejamento. Além disso, diz que dá para economizar recursos do governo com a revisão dos contratos de ministérios de serviços terceirizados. O ministro também não vê problemas incontornáveis com o excesso de vinculações de receitas a despesas pré-determinadas. "Como ministro do Planejamento, sofri um pouco com o excesso de vinculações, mas acho que algumas são necessárias, como na área social, o que não elimina um choque de gestão." Isso indica que ele não vê com simpatia a elevação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) dos atuais 20% para até 40%, de forma gradual, proposta do Ministério da Fazenda que foi incorporada ao projeto de Delfim. Mantega lembra que o déficit nominal diminuirá naturalmente se os juros forem menores e já vê espaço para a queda da Selic. Além de considerar que a inflação está sob controle, Mantega diz que as pressões sobre os preços neste ano não ocorreram por aquecimento da demanda interna. O aumento das commodities e a alta dos preços administrados é que jogaram a inflação para cima, avalia. Para ele, não há necessidade de o BC insistir em trazer a inflação para 5,1%, a meta perseguida pela instituição. O IPCA pode fechar o ano na casa de 5,6%, um número razoável que, segundo Mantega, permite um crescimento maior se os juros forem reduzidos no devido tempo. Ele ressalta, aliás, não concordar com a idéia de que o Brasil não pode crescer mais que 3% a 3,5% sem provocar desequilíbrios nas contas externas e pressões inflacionárias. "O crescimento potencial de 3,5% é uma falácia." Além das críticas que faz à administração da política monetária, ele também lança algumas farpas à gestão da dívida pública. Para Mantega, é possível ter outra gestão da dívida, que no futuro possibilite que se atinja "o mesmo objetivo elevando menos a taxa de juros". Já há confiança suficiente na política fiscal para que o Tesouro aumente a colocação de títulos prefixados longos em substituição aos papéis mais curtos corrigidos pela Selic. Essa estratégia aumentaria a eficiência da política monetária, uma vez que, se tivesse que elevar os juros, o BC imporia uma perda aos detentores de títulos públicos. Hoje, como mais da metade da dívida interna é atrelada à Selic, um aumento dos juros eleva a renda de quem investe em títulos públicos, em vez de diminuí-la. E por que isso não é feito? "Eu não sei dizer por que não é feito", diz ele, admitindo que o ideal é fazer isso quando os juros são menores. "Quando os juros estavam em 16% ao ano, você oferecia 17% por um prefixado de longo prazo e colocava esse título. Quando a Selic está a 19%, tem que ofertar a 20%, é mais difícil. Mas houve vários momentos em que os juros eram menores e você poderia estar insistindo mais nos prefixados e poderá fazer isso daqui para frente. Não é necessário fazer um superávit primário maior do que o atual para conseguir isso", insiste.