Título: Jogo para salvar mandato de Lula
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2005, Política, p. A6

O "mensalão" é página virada da crise. A renúncia do deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP) é a senha para que outros, na seqüência, sigam o mesmo caminho e dá por encerrada a discussão sobre se havia ou não compra de parlamentares em troca de voto. Quem não renunciar e estiver nas listas de pagamento do empresário Marcos Valério de Souza, arrisca-se a ser cassado e ficar inelegível por oito anos, contados a partir do final do mandato, em 2006. O jogo a ser jogado a partir de agora no Congresso é o do mandato - ou o que resta dele - do presidente Lula da Silva. Já não há o que ser feito em favor dos usuários do "mensalão". Mas boa parte do Congresso está empenhada em salvar o mandato do presidente. É possível, se o comprometimento de Lula com o esquema gerenciado por Marcos Valério de Souza não for além dos avisos sobre o "mensalão" dados por Roberto Jefferson (PTB-RJ) e pelo governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). A situação muda de figura, se ocorrer algo fora do programado e aparecer uma prova cabal de que o presidente Lula se beneficiou ou tenha sido conivente com o esquema. Apesar das ameaças veladas, supostamente feitas em conversas com outros políticos, é pouco provável que o ex-ministro José Dirceu (PT-SP) venha a público comprometer o presidente com o "valerioduto". Depois de passar mais de dez anos tentando fazer Lulá lá, Dirceu não iria querer manchar a biografia e passar para a história como o estopim da renúncia do presidente. Se é que efetivamente dispõe da munição insinuada nas supostas confidências a amigos, o que o deputado, aliás, nega. Dirceu é considerado um fator de risco mais por seu temperamento do que pelas supostas ameaças. Espera-se que o ex-ministro faça um depoimento calculado hoje no Conselho de Ética da Câmara. Mas é imprevisível sua reação, se for confrontado por Bob Jefferson, o algoz do petismo: é certo que não pretende deixar Jefferson na condição de mocinho e sair ele próprio como o vilão da história. Mais que Dirceu, a preocupação de quem joga para salvar o mandato de Lula é Marcos Valério. Com razão. O empresário mineiro parece fora de controle. De início, conformara-se com uma solução no qual ele e Delúbio Soares seriam sacrificados para permitir a contenção da crise. Depois, a exemplo de Jefferson, sentiu que o quarteirão estava sendo evacuado e que a bomba explodiria em seu colo.

Valério ameaça PT com mais denúncias

A estratégia de Valério, ajustada ao longo da crise, agora é deixar claro que tudo o que fez foi para o PT. Com o conhecimento de José Dirceu. Primeiro foi a informação dada pela mulher, Renilda, na CPI dos Correios, das reuniões de Dirceu com as diretorias dos BMG e do Banco Rural. Têm origem em Valério as notícias de que um amigo do ex-ministro, Roberto Marques, estava na lista de saques do "valerioduto" e que a ex-mulher de Dirceu recebera um empréstimo do Rural para financiar um apartamento. Em conversas, Valério insinua que tem muito mais a tirar do saco de maldades. E não seria só contra Dirceu. Passou despercebida do grande público, mas não de eventuais destinatários, uma frase solta em entrevista, no fim de semana, de Paulo Sérgio de Abreu, advogado da diretora financeira da SMP&B, Simone Reis de Vasconcelos, segundo a qual sua cliente poderia entregar entregar os nomes de 52, 53 deputados federais ou políticos de Minas que se beneficiaram do "mensalão". São Paulo, tratou de ressalvar, "é outro esquema". Mesmo sem identificar esse "outro esquema", o advogado amplia o leque da suspeição sobre o Congresso, da qual nem a oposição escapa. O PSDB entrou definitivamente na roda e deve explicações sobre o dinheiro de Marcos Valério que irrigou a campanha de Eduardo Azeredo a governador em 1998. Radical ao cobrar do PT, o PFL se deu por satisfeito com as explicações do deputado Roberto Brandt (MG), que se beneficiou do mesmo esquema. Usar dinheiro não-contabilizado, o chamado caixa 2, para pagar campanhas eleitorais pode até ser diferente de pagar deputados em troca de votos na Câmara, o chamado "mensalão". Mas, ao fim e ao cabo, é crime do mesmo jeito. Seja para campanha de 2002 ou de 1998. Para a opinião pública, não há muita diferença entre uma coisa e outra. É evidente a apreensão dos tucanos, apesar de a denúncia contra o PSDB ser antiga e localizada a Minas. Mas é por tudo isso, apesar da fragilidade política do governo, que os caciques do Congresso avaliam que é possível salvar o mandato de Lula, desde que a crise não arrombe de vez as portas do Palácio do Planalto