Título: Construção civil já experimenta uma reação consistente
Autor: Raquel Landim e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2004, Brasil, p. A-6

A retomada da economia finalmente chegou à construção civil. Responsável por 65% dos investimentos feitos no Brasil, o setor é fundamental para garantir o crescimento sustentado do país. E desta vez não se trata apenas do impulso dado pelo "consumo formiga" - as reformas e pequenas obras estimuladas pelo crédito. O aquecimento já se reflete em mais trabalho para as construtoras. Os sinais da reação são firmes e se acentuaram nos últimos meses. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção de insumos para a construção civil subiu 13,8% em agosto em relação ao mesmo mês de 2003. Na comparação do trimestre junho-agosto com igual período do ano anterior, a alta foi de 12,1%. O aumento é de 5,8% no acumulado do ano. "O crescimento do setor, que começou lentamente, agora já é consistente", avalia Ana Castelo, economista da GV Consult e especialista no setor. Jorge Gonçalves Filho, diretor-geral das lojas C&C, relata que as vendas melhoraram no segundo semestre, com o início da recuperação da renda. As vendas dos principais insumos, cimento e vergalhão de aço, estão em alta. Segundo dados preliminares do Sindicato da Indústria do Cimento (Snic) obtidos pelo Valor, elas atingiram 3,15 milhões de toneladas em setembro, alta de 6,4% em relação a 2003. A recuperação do mercado de cimento está concentrada nos últimos meses do ano. Enquanto, no terceiro trimestre, as vendas aumentaram 4,5%, a alta foi de apenas 0,2% no primeiro semestre - sempre na comparação com o mesmo período de 2003. Por conta do fraco início de ano, a alta é de 1,7% no acumulado até setembro. O Snic espera que as vendas de cimento terminem o ano 1% acima de 2003. "É preciso ter cautela e aguardar um período maior de recuperação da demanda, que está ligada à renda da população", diz José Otávio Carvalho, secretário-executivo da entidade. Outro insumo importante, o vergalhão, teve aumento de 26% no consumo aparente - venda interna mais importações - entre janeiro e setembro, em relação ao mesmo período do ano passado. Para o fechamento do ano, Cátia Mac Cord, secretária de mercado e economia do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) espera um aumento de 25,9% nas vendas de vergalhão, que devem atingir 2,350 milhões de toneladas, patamar semelhante ao de 2002. A executiva do IBS lembra que 2003 foi muito ruim, o que torna a base de comparação fraca. "O crescimento é inegável, mas o país tem potencial para aumentar muito mais o consumo de vergalhão", afirma. De acordo com Eduardo Zaidan, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), o aumento do emprego formal no setor a partir do segundo semestre confirma que a recuperação chegou às construtoras. O setor criou 100,7 mil vagas no país de janeiro a agosto, com crescimento de 8,7% ante dezembro de 2003, de acordo com dados do Sinduscon-SP e da GV Consult, elaborados com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. Nos últimos 12 meses, o número de vagas abertas é de 65 mil, pois muitas demissões ocorreram no fim de 2003. "A retomada da construção civil no Brasil geralmente demora, por conta da falta de financiamento. Mas o aquecimento chegou e os empresários estão mais animados", disse Zaidan. Para Fernando Monteiro, da Convenção S.A., os indicadores recentes do setor são sólidos, mas desenham um quadro de retomada. "Este ramo da indústria é pouco volátil. Quando dá sinais de melhora, é porque o crescimento da economia realmente têm consistência. Além disso, é um ramo que gera muitos empregos, sem causar grandes preocupações com pressão sobre balança comercial nem sobre a inflação", ressalta. O Sinduscon-SP, que reúne 1,3 mil incorporadoras, estima que o PIB da construção civil deve crescer 4,5% em 2004, após cair 8,5% em 2003. O sindicato começou o ano com essa mesma estimativa, mas revisou o crescimento do PIB para 3,5% após os fracos resultados do primeiro trimestre. Com a recuperação, voltou o otimismo. Dados do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) demonstram que o número de imóveis financiados pelos bancos com recursos da poupança aumentou 66% de janeiro a agosto em relação a igual período de 2003. Para Ana Castelo, contribuiu para esse resultado o fato de o governo ter aumentado o percentual de recursos da poupança que deve ser direcionado pelos bancos para o financiamento habitacional. "Mas o importante é que as famílias estão procurando esse financiamento", observou. De janeiro a agosto, foram vendidos 11.804 imóveis novos no município de São Paulo, alta de 32,7% em relação a igual período de 2003, segundo o Sindicato da Habitação de SP (Secovi). Ricardo Pereira Leite, diretor de relações com mercado da entidade, explica que os aumentos mais expressivos foram registrados para apartamentos de um dormitório (80%), dois dormitórios (37,5%) e três dormitórios (50%). Já as vendas de apartamentos de quatro dormitórios caíram 4%. "Isso demonstra uma mudança no padrão de consumo. Recentemente, as vendas estavam concentradas nos apartamentos de quatro dormitórios, porque só a classe média alta tinha condições de consumir".