Título: O Cafta e o crescente protecionismo dos EUA
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2005, Opinião, p. A10

A aprovação pelo Congresso americano do Acordo de Livre Comércio da América Central (Cafta) trouxe mais inquietação que alívio. O governo Bush enfrentou uma árdua batalha e o Cafta passou pela Câmara com apenas dois votos de diferença, em um teste inusualmente duro para o magro resultado econômico em jogo. O desfecho alimentou uma onda de pessimismo sobre o comprometimento dos EUA para futuros acordos comerciais. Se o atual espírito protecionista que se instalou entre os parlamentares americanos prevalecer, a conclusão da Alca se tornará impossível. A exemplo dos demais acertos bilaterais, os EUA concederam pouco e obtiveram muito de Nicarágua, Honduras, Costa Rica, El Salvador, Guatemala e República Dominicana. Esses países garantiram a permanência das vantagens de acesso privilegiado ao mercado americano que já estavam em vigor pelo acordo para as nações da bacia do Caribe desde meados dos anos 80. O poderoso lobby do açúcar americano usou sua força para impedir que as exportações do produto provenientes dos seis países crescessem apenas 140 mil toneladas e atingissem 1,2% do consumo dos EUA. Por outro lado, a América Central desmontou o sistema tarifário para as importações de automóveis, alimentos, madeira e grãos. Um acerto de última hora restringiu o acesso de outros países ao benefício que a nova zona de comércio propicia em relação aos produtos têxteis, circunscrevendo-os a matérias-primas produzidas na região e nos EUA. No caso de investimentos e serviços, valerão todas as exigências americanas sobre direitos de propriedade, com normas que dificultam a produção de genéricos, por exemplo. Apesar disso, o Cafta pode trazer vantagens para os signatários centro-americanos, que estão entre as nações mais pobres do continente. Ele atrairá investimentos para a região, inclusive brasileiros, e, na ausência de um mercado interno relevante, era um dos caminhos naturais para essas nações obterem a garantia de acesso aos EUA. O que chamou a atenção dos analistas, porém, foi a clara desproporção entre a pequena dimensão econômica do acordo, para os EUA, e a feroz reação contra ele. O próprio presidente Bush empenhou-se em convencer republicanos recalcitrantes, enquanto seu vice, Dick Cheney, fazia um corpo-a-corpo no Congresso. Os sindicatos torpedearam os democratas e ameaçaram cortar qualquer ajuda financeira para as campanhas eleitorais em quem votasse a favor do Cafta. Os republicanos usaram outras armas, como a ameaça que Chávez representaria para a região se o acordo não fosse aprovado, e a promessa de uma atitude mais protecionista contra a China. O desenlace demonstrou que o apoio bipartidário a acordos de livre comércio está definhando nos EUA. O Nafta, que uniu EUA, Canadá e México, foi sacramentado por 105 democratas - o Cafta, por apenas 15. A partir desse desfecho, o xadrez das negociações para a liberalização comercial bilateral ou global tornaram-se difíceis e imprevisíveis. Amarrado pela insatisfação interna, os EUA não se moveram nas últimas reuniões da rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), que caminham lentamente para um fiasco, se nada for feito. Por outro lado, o episódio do Cafta pode levar os EUA a uma cautela ainda maior que a atual na OMC o que, somado ao imobilismo da União Européia, compõe a receita para um fracasso em Hong Kong semelhante ao de Cancún, em 2003. Desses países terão de sair as principais concessões para destravar as negociações agrícolas, sem as quais a rodada global não avançará. Longe de ser o bode expiatório de sempre, o G-20 apresentou a única proposta com chances de ser aceita pelos países desenvolvidos para que as discussões pudessem prosseguir. Sem a redução dos subsídios internos e externos à produção agrícola, e os cortes tarifários que possibilitem o acesso aos mercados por parte dos países em desenvolvimento, nenhum acordo será possível. No campo da Alca, a oposição ao Cafta serviu como um elixir extra aos pessimistas. O Brasil se opôs e continuará se opondo a muitas das cláusulas que foram aceitas pela América Central e Chile, e que estão agora em discussão entre EUA e Peru, Colômbia e Equador. Por outro lado, estará, com o Mercosul, praticamente isolado pelas vantagens concedidas a seus competidores regionais pelos EUA. Se o acordo do Cafta sucumbisse no Congresso americano, a possibilidade de levar adiante a Alca seria nula. A forma com que ele foi aprovado, porém, indica que existe pouco espaço - e um interesse incerto de ambos os lados - para que haja progressos.