Título: A reforma do Judiciário e as ações em curso
Autor: Misael Montenegro Filho
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2005, Legislação & Tributos, p. E5

"As empresas poderão decidir se ingressam ou não em juízo com um panorama jurisprudencial definido"

Depois de mais de uma década de espera, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 45, que estabeleceu a reforma do Judiciário, com o pretendido intuito de desafogar os ambientes jurídicos que acumulam processos em demasia, incluindo os tribunais superiores, as cortes estaduais de Justiça e os juízos do primeiro grau de jurisdição. A reforma do Judiciário dividiu e divide a comunidade jurídica no questionamento relativo à força que teriam para cumprir seu objetivo principal, a saber: permitir o desfecho do processo em menor espaço de tempo possível, meta que se apresenta em plano utópico até aqui. A principal reforma empreendida diz respeito à inclusão, no texto constitucional, da chamada súmula vinculante, com a previsão de que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa aprovar súmula com efeitos erga omnes, resolvendo em volume uma enxurrada de processos que apresentem a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, vale dizer: ações quase idênticas, apenas se diferenciando no aspecto das partes posicionadas em lados antagônicos. Algumas pessoas ainda trabalham para que a súmula vinculante não saia do papel, apegando-se no argumento de que o novo modelo engessa a magistratura da instância ordinária (primeiro e segundo graus de jurisdição), que fica privada de criar decisões judiciais que divirjam das determinações que emanam do verbete em estudo. Quer nos parecer que temos feito muita fumaça para pouco fogo. A súmula vinculante já existe e vem sendo aplicada em todas as instâncias da Justiça há anos, sem que nos apercebamos do fato, sem apresentar o nome que vem gerando tanta polêmica, talvez em vista da palavra vinculante, que nos dá uma idéia de coisa obrigatória, de algo forçado. Dois exemplos podem ser apresentados para a ilustração da colocação. O primeiro é extraído da análise da Súmula nº 282 do Supremo, com a seguinte redação literal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada". A súmula em estudo, de interpretação rebuscada, no nosso sentir, trata do prequestionamento da matéria, ou seja, da exigência de que o tema que alimenta o recurso especial ou o recurso extraordinário interposto na origem tenha sido debatido e enfrentado pela instância ordinária. A matéria em referência não pode ser nova, sob pena de o recurso extremo ter o seu seguimento negado. A súmula antes informada é responsável pela negativa de seguimento de talvez oito dentre dez recursos que têm curso obstaculizado pelas presidências dos tribunais locais, com evidente efeito vinculante, sendo de aplicação incontroversa em todos os cantos da federação.

A súmula vinculante já existe e é em todas as instâncias da Justiça há anos, sem que nos apercebamos do fato

O exemplo complementar diz respeito à Súmula nº 279 do Supremo, assim assentada: "Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário". Em um outro dizer, os recursos extremos não podem ser contaminados por indagações de fato, dando abertura para o trato de matéria de direito, de forma quase que exclusiva. A súmula antes informada também vem sendo aplicada exaustivamente em todas as instâncias da Justiça nacional, de igual sorte para trancar na origem os recursos especial e extraordinário que esbarrem em sua previsão. Desse modo, o presente artigo não tem o condão principal de investigar se a súmula vinculante vai ou não colaborar para a melhora do caótico estado processual em que nos encontramos, o qual nos permite dizer sem qualquer pudor lingüístico que estamos brincando de fazer direito, de fazer Justiça. O objetivo deste breve ensaio trilha por caminho diverso, centrando-se no debate relacionado aos efeitos das reformas do Poder Judiciário na vida das empresas, que não apresentam corpo, coração ou cérebro, no sentido mais estreito de cada vocábulo, mas que empregam pessoas, que recolhem tributos, que permitem o crescimento do país, mesmo que as divisas sejam eventualmente gastas em mensalões ou na compra e venda de verduras. Com a edição da súmula vinculante tornando-se realidade (saindo, portanto, do papel), as questões tributárias e previdenciárias serão resolvidas em espaço menor de tempo, e, o que nos parece mais importante, as empresas poderão decidir se ingressam ou não em juízo com um panorama jurisprudencial definido, sem as inconstâncias de um sistema jurisprudencial fragmentado no qual uma mesma questão jurídica recebe um determinado desfecho em São Paulo e outro diametralmente oposto na Bahia, por exemplo. A manutenção de uma empresa no prumo de uma ação judicial, quando o debate jurídico já foi definido em sentido contrário aos interesses daquela, é medida odiosa, irresponsável até. A pessoa jurídica, através dos seus sócios e diretores, por evidente, ficará no aguardo de uma resposta jurisdicional que não lhe será destinada, baseando-se naquela expectativa infundada para a tomada de decisões. O fato de o Supremo ter previsto em determinada súmula vinculante que um tributo recentemente criado é constitucional, por exemplo, pode desestimular a empresa que se encontra inserida na hipótese de incidência da espécie a litigar. Com isso ganha a pessoa jurídica, ganha o país e ganha a Justiça, com menos uma ação para julgar. Do contrário, estar-se-ia pregando o litigar pelo litigar, o que não se mostra razoável do ponto de vista empresarial. O resto é continuar confiando na seriedade do Supremo.