Título: A hora e vez dos fundos de pensão
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2005, Brasil, p. A2

Já há motivos suficientes para que as investigações em curso no Congresso dêem atenção às denúncias de supostas malfeitorias na gestão petista dos fundos de pensão ligados a empresas estatais. Nos últimos dias, dois ex-dirigentes dessas fundações deram entrevistas com revelações nada abonadoras sobre a atuação dos fundos e a ingerência do governo em seus negócios. Ainda no início da atual crise política, quando pouco se conhecia sobre mensalões, um deputado influente da base governista confidenciou que, se a investigação chegasse aos fundos de pensão, "o governo ruiria". Assim como o caso de compra de deputados, sempre circulou à boca pequena em Brasília o rumor de que o reino dos fundos de pensão é viciado em malversações. A oportunidade para uma investigação profunda está dada. Em entrevista à "Folha de S. Paulo", Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil e ex-presidente do Conselho Deliberativo da Previ, a fundação dos funcionários do banco, afirmou que a diretoria do fundo toma decisões sem consultar o Conselho, atendendo a interesses políticos do governo. A Previ, disse ele, segue as orientações do ex-ministro Luiz Gushiken, auxiliar direto do presidente Lula. Não é a primeira vez que se denuncia a interferência de Gushiken na gestão dos fundos, em particular, na Previ. Antes de entrar para o governo, ele foi sócio de uma empresa de consultoria previdenciária que prestou serviços para a fundação do BB. Antes ainda, foi funcionário do BB, sindicalista e deputado pelo PT. Assim como outro denunciado (Roberto Jefferson) que resolveu virar denunciante, Pizzolato é acusado de ser um dos beneficiários do esquema de mesadas pagas pelo empresário Marcos Valério. Também como Jefferson, parecia estar com sangue na boca quando fez suas denúncias. O fato é que as fez de forma contundente, motivando o próprio Conselho Fiscal da Previ a iniciar investigação sobre os contratos da fundação. Pizzolato não está sozinho. Em outra entrevista, Jorge Moura, ex-presidente da Refer, o fundo de pensão da Rede Ferroviária Federal, da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), da Metrofor (CE) e da Companhia Paulista de Trens Urbanos, declarou à "Folha de S. Paulo" que foi pressionado por gente do governo a entregar a administração da carteira de investimentos em títulos públicos do fundo a bancos privados, entre eles, o Rural e o BMG, citados pelas investigações do Congresso e da polícia como escoadouros do dinheiro distribuído por Valério. Não se deve ignorar também que a primeira denúncia envolvendo a Previ e empresas privadas, na gestão petista, remonta ao début do governo Lula e nunca foi devidamente apurada. O que se dizia é que, controlada pelo PT desde os últimos anos da administração FHC, a área de investimentos da Previ despejou volumosos recursos em empresas que, vejam só, financiaram a campanha presidencial de Lula.

Denúncias obrigam CPIs a investigar

Nunca se levou a sério essa possibilidade, mas, diante do que vem sendo revelado pelos inquéritos parlamentares e policiais, já passou da hora de se investigar a atuação da fundação do BB naquele período. Petista como Pizzolato, Sérgio Rosa, atual presidente da entidade, comandou os investimentos da Previ em 2002. Pizzolato chamou a atenção para um contrato assinado entre a Previ e o Citigroup. Por ele, o fundo de pensão se comprometeu a comprar, em 2007, as ações do conglomerado americano na Brasil Telecom e na Telemar, por valor quase quatro vezes maior que o preço das ações neste momento. A justificativa dada pelo banco e por Sérgio Rosa para tamanha diferença de preço é que a Previ estará pagando pelo preço de controle das duas operadoras. A operação, do ponto de vista financeiro, poderia até se justificar. O mundo dos negócios corporativos é complexo. O que parece caro hoje pode ser considerado uma pechincha no momento de liquidação de uma operação. Os problemas desse contrato, conhecido no mercado como "put", são outros. O contrato representa mais um capítulo da estranha obsessão da Previ e de setores do governo Lula em guerrear com um grupo privado específico - o Opportunity. Como se sabe, a fundação do BB tem dezenas de parceiros privados. Na privatização das teles, viabilizou, inclusive, que alguns desses parceiros se tornassem acionistas e controladores da maior companhia telefônica do país - a Telemar. Isso acontece por uma deficiência do capitalismo brasileiro: na falta de capitalistas, quem tem dinheiro para investir são os fundos de pensão. A Previ pode ter razões técnicas para não gostar do Opportunity, mas o curso de suas ações para enfrentar o grupo financeiro não parece nada ordinário. No governo Lula, ganhou apoio político e administrativo, com o envolvimento, inclusive, da polícia. Do outro lado, Daniel Dantas, o líder do Opportunity, reagiu com investigações particulares, atiçando a ira dos petistas. A ação dos fundos como financistas encerra um problema institucional. Pela legislação, eles não podem controlar empresas. Como investidores institucionais, devem se limitar a aplicar os recursos da maneira mais rentável possível, mas sem se envolver diretamente com o dia-a-dia das companhias. Para driblar a restrição, os fundos negociam com sócios privados, a maioria dependentes de seus financiamentos para sobreviver, acordos de acionistas que lhes permitam ter voz ativa no comando das corporações. No Brasil, ainda é incipiente o uso de "proxy" (procurador em inglês), empresa que investidores institucionais contratam mundo afora para representá-los em conselhos de administração. Aqui, os dirigentes dos fundos das empresas estatais agem como empresários. Dependendo do governo, a atuação extrapola e chega à política. Imagine-se o poder de fogo dessas fundações, com patrimônio superior a R$ 100 bilhões, para alavancar negócios de amigos do poder. Calculem-se as comissões que esse tipo de comércio pode gerar. São proporcionais à possibilidade de encrenca. E encrencas têm existido dada outra deformidade institucional: no Brasil, se o fundo de pensão de uma estatal quebra, o prejuízo é coberto pelo acionista majoritário: o Tesouro Nacional. Em outras palavras, por todos nós.