Título: Petistas envolvidos resistem à renúncia
Autor: Maria Lúcia Delgado e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2005, Política, p. A7

À exceção do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, nenhum outro deputado envolvido na denúncia de recebimento de "mensalão", do PT e dos partidos aliados do governo, admitia ontem a hipótese da renúncia do mandato para evitar a perda dos direitos políticos. A rigor, o prazo para a renúncia começou a contar apenas para os deputados José Dirceu (PT-SP), ex-ministro da Casa Civil, e Sandro Mabel (GO), líder do PL na Câmara, contra os quais o PTB formalizou ontem o pedido de abertura de processo de cassação. Foi um dia tenso para os deputados enredados nas denúncias, especialmente o grupo do PT formado por João Paulo, professor Luizinho (SP), Paulo Rocha (PA), além do próprio Dirceu. Enquanto o líder do PP, José Janene (PR), e Sandro Mabel diziam que não havia "hipótese da renúncia", os petistas fizeram várias reuniões para avaliar a situação. A primeira delas, na casa de João Paulo, se estendeu pelo almoço. Àquela altura, os petistas acreditavam que o PTB não entraria com a representação contra Dirceu . Segundo a notícia recebida pelos petistas, na noite anterior o deputado Roberto Jefferson (RJ) jantara com outros deputados petebistas. A sensação dos presentes, de acordo com o que foi informado ao PT, seria a de que arrefecera o ânimo de Jefferson em relação ao antigo chefe da Casa Civil. Foram todos surpreendidos na abertura da reunião do conselho, quando o presidente do PTB, Flávio Martinez (PR), protocolou o pedido de abertura do processo contra Dirceu, Mabel e o ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), que renunciou na véspera, e anunciou que nos próximos dias representará também contra os deputados José Janene (PP-PR), Pedro Henry (PP-MT) e Carlos Rodrigues (PL-RJ). Alguns ministros, como Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Antonio Palocci (Fazenda) e Jaques Wagner (Coordenação Política), defendiam que eles deviam renunciar para disputar as eleições de 2006 e tentar voltar à Câmara em 2007, talvez até com votações expressivas como tiveram os deputados José Roberto Arruda (PFL-DF) e Jader Barbalho (PMDB-PA), que também renunciaram para evitar a perda dos direitos políticos. Na avaliação do governo, a renúncia dos petistas e outros acusados poderia melhorar o clima político na Câmara e permitir a retomada das votações. Um exemplo: o novo coordenador político Jaques Wagner não tem como se reunir com o colégio de líderes ou os presidentes de partidos aliados: os presidentes e os líderes do PP e do PL, além de Jefferson, e o líder do PMDB estão arrolados nas investigações. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, não tinha muita expectativa em relação à renúncia dos petistas. Em conversa com um dirigente do Congresso, disse que os petistas denunciados não só resistiam à idéia da renúncia como não admitiam que ninguém do PT fosse cassado. De fato, era este o clima na casa de João Paulo, à exceção do próprio anfitrião. Ao contrário de José Dirceu, o ex-presidente da Câmara dizia que a "guerra popular prolongada" não era do seu feitio, que preferia a "guerra de guerrilhas", de ações rápidas e pontuais. Além disso, sua expectativa é que os "deputados da direita" devem renunciar nos próximos dias. Com isso, os petistas que restassem teriam os mandatos cassados. João Paulo estava furioso com a lista que a diretora-da SMP&B entregou, na véspera, à Polícia Federal com a relação dos saques efetuados por deputados ou seus representantes. Ele teria sido beneficiado com R$ 200 mil, R$ 150 mil além do que ele já admitira. No final da tarde, divulgou nota: "O único saque realizado a meu pedido em uma dessas contas foi de R$ 50 mil. Em breve, explicarei publicamente todas as circunstâncias que o envolvem e porque ele foi feito". Isso pode ocorrer no discurso da renúncia: João Paulo ficou de tomar uma decisão "solitária" na noite de ontem. Dirceu disse que respeitaria "profundamente" se a opção fosse pela renúncia. Até mesmo Dirceu e Mabel ainda têm condições para renunciar. As representações ainda serão remetidas ao presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Por se tratar de direito constitucional, ele não terá a prerrogativa de arquivá-las. Apenas deferir no prazo que julgar conveniente -- e enviá-las de volta ao Conselho. O presidente manda instaurar o processo. A partir desse ponto é que não pode haver renúncia.