Título: Dirceu poupa Lula e responsabiliza PT por empréstimos
Autor: Maria Lúcia Delgado e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2005, Política, p. A7

Crise Ex-ministro diz que distanciamento do partido pode parecer "inverossímel" e admite erro por omissão

Nem o isolamento político ao qual foi condenado, nem a mágoa - sentimento que ele nega enfaticamente, mas os amigos próximos confirmam - levaram o ex-ministro chefe da Casa Civil a comprometer publicamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o depoimento que prestou ontem no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara. "O presidente Lula, ao contrário do que dizem, é a maior liderança histórica do Brasil dessas últimas décadas. É, na verdade, uma dádiva que o Brasil tem. Não é verdade que eu estou magoado e ressentido com o presidente Lula, e que eu viria a essa comissão fazer qualquer tipo de ataque ou cobrança ao governo ou a ministros do governo", antecipou-se Dirceu, em seu pronunciamento inicial. A despeito de insinuações milimetricamente planejadas pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que teve direito de inquirir Dirceu na condição de acusado no Conselho, o nome de Lula passou praticamente incólume. Já com a ex-direção do PT, Dirceu não teve complacência. Procurou se desvincular de maneira radical dos ex-correligionários Delúbio Soares (ex-tesoureiro) e Sílvio Pereira (ex-secretário-geral). O próprio Dirceu admitiu que a versão de total distanciamento da direção do PT parece "inverossímil", e chegou a classificar de "erro" tal omissão diante dos passos da cúpula partidária, que colocaram o governo no epicentro da crise. "Eu sou responsável e assumo meus atos como ministro-chefe da Casa Civil e como deputado. Não assumo os atos da comissão Executiva Nacional do PT, dos membros da direção do PT, porque eu não era membro da direção do PT, não participava das decisões. Não vou assumir a responsabilidade pelos empréstimos que foram feitos junto às empresas do senhor Marcos Valério, que tomaram empréstimos junto aos bancos BMG e Rural. Aliás, as diretorias dos bancos já afirmaram que não discutiram isso junto comigo", argumentou. Repetindo a máxima que "o governo não rouba e não deixa roubar", Dirceu negou qualquer responsabilidade pelo suposto esquema do mensalão e tentou restringir as denúncias a crimes de caixa 2. "Não organizei, não sou chefe, e jamais permitiria a compra de votos ou pagamento a parlamentares. Não é verdade que eu seja o responsável pelo mensalão. E se existe mensalão existe uma CPI, e eu quero depor nesta CPI", alegou. Caberá a Delúbio Soares responder pelos acordos financeiros. Ao abordar o tema caixa 2, o ex-ministro disse que o maior equívoco deste governo foi não ter dado prioridade à votação da reforma política. José Dirceu classificou de "armação" o fato de o nome de Roberto Marques, seu amigo e ex-assessor, ter aparecido na lista de prováveis sacadores das contas da SMP&B, empresa de Valério, do Banco Rural. O ex-ministro disse que as documentações não foram comprovadas pela CPI e afirmou que a diretora financeira da empresa, Simone Vasconcelos, negou ter incluído "Bob" na lista. Apesar da autorização, o saque não foi feito. O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), da CPI, ponderou que o documento de fato existe, e que a comissão está fazendo averiguações. O empresário Marcos Valério revelou à Procuradoria Geral da República que Dirceu sabia dos empréstimos. A esposa dele, Renilda Santiago de Souza, afirmou à CPI dos Correios que Dirceu tinha conhecimento das operações e as discutiu com a direção dos dois bancos. Ontem, Dirceu disse que Renilda apresentou três versões distoantes, e as desqualificou. Ao ser questionado sobre o relacionamento com o empresário, alegou: "Não tenho relação pessoal com ele, de amizade, nenhuma relação de governo. Esteve na Casa Civil com a diretoria do Rural. Esteve mais duas vezes na Casa Civil". Dirceu foi reticente ao falar sobre os contatos com o empresário, que ligou o PT ao suposto esquema de corrupção que está sendo investigado pela CPI Mista dos Correios e comprovou a existência de uma estrutura ramificada de caixa 2 para campanhas eleitorais de petistas e aliados. "Não é fato que eu me comunicava com ele por telefone", disse. Ao ser indagado se nunca teve conversas telefônicas com Valério, titubeou: "Não posso dizer isso. Estou dizendo que eu não tinha contato telefônico com ele". No contraponto, Jefferson afirmou que Dirceu tenta falsear a realidade ao tentar se distanciar da ex-direção do PT, de Valério e dos acordos políticos feitos com partidos aliados. "O José Genoíno era o vice-presidente do PT. O presidente era José Dirceu. Tudo o que tratávamos no prédio da Varig (na sede do PT em Brasília) tinha que ser homologado depois pela Casa Civil", disse Jefferson. O deputado petebista disse ainda que Dirceu não agia sozinho, e que é o arquiteto de todo o modelo administrativo montado no governo. José Dirceu afirmou que não deixará a vida pública, nem mesmo se for cassado. Reconheceu que discutiu sobre a renúncia, por insistência de amigos, mas descarta a tese. "Eu não conseguiria viver mais. Não seria morte política. Eu simplesmente perderia a alma. Prefiro enfrentar e responder por meus atos. Depois, a Câmara e o Conselho de Ética decidem", disse. Na defensiva, porém com discurso seguro e frio, o ex-ministro, além de tentar separar suas funções na Casa Civil das atividades partidárias; afirmou que a responsabilidade por nomeações é do presidente e ministros. Alegou ainda que ele não pode responder por quebra de decoro porque sequer exercia o mandato de deputado e fez apelos emocionais à militância petista. Na versão de Jefferson, teria havido um encontro entre ele e Dirceu, em janeiro de 2004; e um em março, entre ele, Lula, Dirceu e outros ministros. Nos dois casos Roberto Jefferson afirma ter falado sobre o mensalão. Dirceu negou o primeiro encontro e afirmou que não estava presente no segundo. O ex-ministro enfatizou várias vezes que não aceitará ser prejulgado, e classificou de calúnia, injúria e difamação a denúncia de Jefferson de que ele seria o chefe de um grande esquema de corrupção no país. Ele informou que foi orientado por seus advogados a só processar Roberto Jefferson depois que ele for cassado, pois, desta forma, perderá o foro especial, ou seja, o direito de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). José Dirceu alegou que é o alvo central da crise pelo que representa na história do PT, das esquerdas e na eleição de Lula. Sustentou a tese de que nunca usurpou as funções de ministro da Casa Civil para fazer lobby ou tráfico de influência em estatais. (Colaborou Daniel Rittner)