Título: "Os números mostram que os fundamentos estão mais sólidos"
Autor: Sergio Lamucci e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2005, Especial, p. A12

Valor: Aumentou o risco de a crise política contaminar a economia? Luiz Fernando Figueiredo: Há três forças atuando ao mesmo tempo. A primeira é a liquidez internacional, que é abundante e não parece que vai diminuir no curto prazo. O segundo ponto são os fundamentos. O Brasil, do lado fiscal, tem conseguido reduzir a relação dívida/PIB (que caiu de 57,2% em 2003 para 50,9% em junho deste ano) e também há a credibilidade que se construiu desde 1999. O outro ponto relevante é o balanço de pagamentos, com a melhora das contas externas nos dois últimos anos. O país tem um fluxo de entrada mensal de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões por mês, que é a sobra de recursos no balanço de pagamentos. É algo como US$ 20 bilhões a US$ 25 bilhões por ano. Isso permitiu ao BC comprar o volume de reservas que ele comprou, que foi histórico, permitiu que o Tesouro avançasse nos compromissos futuros de dívida e o setor privado rolasse muito menos dívida do que a que vencia. A economia está com os fundamentos muito sólidos. Não é um chavão, os números mostram isso. Além disso, a inflação está sob controle e os juros reais estão elevados. O terceiro ponto é a questão política. Há dois fatores atuando na mesma direção, a liquidez internacional e os fundamentos. Como a crise política pode atrapalhar esses dois outros fatores? Apenas se gerar uma mudança relevante da política econômica. Se a opção for não ter superávit primário ou ter um superávit muito menor, ou o Brasil ter juros muito mais baixos independentemente da inflação. Valor: Por que o mercado teve momentos de nervosismo em 22 e 25 de julho (quando a bolsa despencou e o dólar subiu com força)? Figueiredo: Foram três fatores. Lula fez uma série de declarações que algumas pessoas interpretaram como um sinal de possível mudança de política. Eu não concordo, mas é algo que poderia ser interpretado desse modo. Segundo, houve a sensação de que a crise estava aumentando. Além disso, houve maior volatilidade do mercado externo. Mas vamos olhar a realidade. Houve apenas uma mudança do nível dos juros dos títulos do Tesouro americano de 10 anos, que se acomodou num nível mais alto, mas a liquidez continua grande. Depois, vários sinais importantes foram dados nos últimos dias tanto pelo governo como pela oposição no sentido de blindar a política econômica. Além disso, nesse processo, nós temos o estrangeiro como um agente muito importante, nos mercados de câmbio, juros, ações e títulos da dívida. Qual foi a atitude dos estrangeiros nesse episódio? Eles aumentaram a exposição ao Brasil, principalmente nos mercados de ações, títulos da dívida e juros. Valor: A opinião dominante é de que os estrangeiros haviam provocado a turbulência. Figueiredo: Isso não ocorreu. Nesses três mercados, eles aumentaram a exposição. No câmbio, acho que ficaram com o mesmo tamanho. O movimento foi muito mais de locais querendo se proteger, com receio de que a crise continuasse a aumentar. Valor: Qual é a visão do estrangeiro sobre a crise política? Figueiredo: Nós até podemos criticar como uma visão simplista, mas eles acham que a política econômica que existe no Brasil está institucionalizada. O governo do PSDB e o do PT seguiram, com algumas diferenças, a mesma política. Todos os sinais em momentos mais difíceis foram de continuar com essa política. E outros países também enfrentaram problemas políticos. A Coréia teve um processo de impeachment no ano passado e não mudou sua política econômica. A África do Sul acabou de passar por um processo semelhante ao que o Brasil está passando. No México ocorreu uma coisa parecida. Em todos esses casos os fundamentos prevaleceram. Valor: O sr. vê o risco de mudança na política econômica, seja pelas mãos de Lula, ou no caso de um impeachment, por José Alencar? Figueiredo: Acho que o risco não é a crise institucional. Não acredito em impeachment. O risco seria de mudança deliberada da política econômica, com as instituições funcionando. Mas eu não acredito nisso. Para isso, Lula teria que mudar todo o Ministério da Fazenda, todo o BC e grande parte grande do ministério. Para você trocar, é necessário acreditar que tudo o que é feito está errado. Há dois anos e meio ele acredita que está certo. E o que sustenta o governo atualmente? É a política econômica. Valor: Mas se houver a mudança da política econômica, como é que essa contaminação se dará? Figueiredo: Os ativos do Brasil iriam piorar de maneira muito relevante. Num primeiro momento, o câmbio teria uma correção importante, mas isso aumentaria muito o volume de exportação e diminuiria o volume de importações, o que faria com que o fluxo fosse ainda mais positivo. O câmbio se auto-equilibraria. É claro que num outro patamar, mas ele teria um overshooting, e após isso retornaria, porque encontraria um equilíbrio. Os fundamentos trabalham contra ciclo negativo, algo que nunca ocorreu no país. O câmbio ainda tem uma tendência relevante de apreciação. A crise política até limita um pouco esse movimento. Provavelmente estaria mais próxima de R$ 2,20 que nos preços atuais. Mas para o dólar subir muito é necessário uma ruptura de tudo o que foi feito nos últimos dez anos. Valor: O crescimento de 2005 e 2006 será afetado pela crise? Figueiredo: Um pouco, sim. Quem tem planos de investimento está esperando ver o que vai ocorrer. Na margem está investindo, mas provavelmente menos do que se não houvesse a crise. Mas isso pode ser revertido à medida que a crise passe. No fim das contas, pode ter algum impacto sobre o crescimento de 2005 e um impacto praticamente nulo em relação ao crescimento de 2006. Para este ano, nós prevemos um crescimento de 2,5%. Antes esperávamos 3%, mas a revisão foi feita antes do agravamento da crise política. Se a crise durar seis meses, o impacto vai ser mais forte nos investimentos. Se durar dois meses, o impacto será mais limitado. Em 2006 o crescimento pode ser de 3,5%. Com a inflação sob controle, os juros vão cair em breve. Valor: A proposta de déficit nominal zero ou superávit primário ajudaria a blindar a economia? Figueiredo: Qualquer atitude de manter a política econômica ajuda. A parte fiscal é o pilar de tudo. Contas fiscais saudáveis garantem sustentabilidade. Em relação ao déficit nominal zero, a idéia é boa para o país caminhar até ela, mas não para implementá-la neste momento. Vamos ter uma meta de déficit nominal zero? Está ótimo, mas o que é necessário para chegar até lá? Várias coisas passam por aí, inclusive a autonomia do BC. (SL)