Título: "Só o Palocci fraco e o BC desmoralizado seriam capazes de afetar a economia"
Autor: Sergio Lamucci e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2005, Especial, p. A12

Valor: Cresceram as chances de a crise política afetar a economia? Dionísio Carneiro: A análise de como a crise pode atingir a economia tem dois aspectos. Primeiro, olhando para os indicadores macroeconômicos, para o lado estático desses números, tais como estão hoje. Eles vão piorar por causa da crise? Na minha opinião, não. Provavelmente, mesmo que você tenha um aumento do dólar, uma diminuição do investimento externo, mesmo que a inflação suba devido à indexação, o que vai ser mais importante é o outro lado da economia, o processo evolutivo, a maneira como se relaciona a política com a economia. Temos hoje uma independência maior das questões da política econômica de curto prazo com respeito às injunções políticas de curto prazo do que tínhamos há 20 anos. Valor: Essa independência funciona nas crises políticas? Carneiro: Na minha avaliação, o processo evolutivo da melhoria das relações da política com a economia no Brasil teve um progresso muito grande desde 1989, no governo Itamar, onde a confusão política era muito grande, estávamos saindo de uma grande crise, de um impeachment... Se formos um pouquinho mais para trás, eu diria que poderia ter começado no fim do governo Collor, quando o Marcílio [Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda] começou a ordenar minimamente a economia, conseguindo isolar a evolução da política econômica do que estava ocorrendo no governo, que era o impeachment. De maio de 1991 em diante, podemos identificar um processo evolutivo ininterrupto da política econômica que passou pela renegociação da dívida externa na gestão Itamar, Plano Real, reforma do sistema financeiro (Proer), crise russa, mudança do regime cambial e até alternância de partido político no poder, em 2002. É impossível não olhar para esses 16 anos e constatar que existe um processo ordenador em marcha. A pergunta é: será que esta crise é suficiente para interromper este processo? Eu acho que não. Valor: Por quê? Carneiro: Primeiro, porque em momento nenhum o governo, a partir do presidente da República, anunciou ou falou em mudar esse processo devido à crise política. Segundo, porque objetivamente, o Palocci e a equipe econômica geraram, na realidade, mais boas notícias nesses dois anos e meio para o Lula do que aqueles que reclamavam da política econômica. Valor: Este processo ordenador não poderá sofrer mudança em função do cenário político? Carneiro: Diria que não há nenhum sinal hoje de ele ser afetado pela crise. A taxa de câmbio, por exemplo, pode subir. Mas isso não contamina o processo ordenador da economia, que é mais importante para a perspectiva de crescimento, da retomada da atividade econômica, da continuidade do aumento da geração de emprego, da geração de incentivos para investimentos. Quem está tomando decisão de investimento de longo prazo não o faz com base na taxa de câmbio atual ou daqui a três meses e sim com base no processo decisório da política econômica. Valor: Como poderia haver interferência da política nesse processo? Carneiro: O enfraquecimento da figura do Palocci, uma desmoralização do Banco Central seriam os fatores que fragilizariam e contaminariam a economia. Valor: O câmbio e a Bolsa já deram sinais de contaminação... Carneiro: Seria inocência achar que a Bolsa não pode cair, que o dólar não pode subir. Isso é outra coisa. Os preços estão livres e a política econômica estão funcionando. Eu acredito que não haverá uma contaminação do processo decisório em termos de política econômica devido à crise política. Valor: O câmbio aparece como a variável mais vulnerável... Carneiro: O regime de flutuação cambial é um regime difícil. Mas nenhuma flutuação é totalmente livre, porque na realidade o Banco Central é um player muito importante. Ele tem um papel ordenador. Por outro lado, você tem, por questão do efeito da própria flutuação e pelo fato de a taxa de juro real e de a taxa de juro em dólar ter sido mantida muito elevada, um excesso de capital de arbitragem nesse processo. O capital de arbitragem pode mudar de direção rapidamente, alterando o câmbio Valor: Qual a defesa contra isso? Carneiro: É você ter reservas e fundamentos razoavelmente previsíveis como os que temos hoje. Inflação sob controle, relação dívida pública/PIB em queda, relação dívida externa/PIB praticamente zerada, superávit em conta corrente e superávit comercial elevado. Só acho que poderíamos ter um pouco mais de reservas. Valor: E o investimento? A crise política não afeta as expectativas? Carneiro: Ainda não vi paralisação de investimento. Acho que o investimento está crescendo mais, apesar da crise e da queda do investimento no primeiro trimestre. Acho que podemos fechar este ano com uma taxa de investimento de 21% do PIB e de 22% em 2006. Valor: O sr. teme que ocorra o impeachment do presidente? Carneiro: Vamos ao extremo. Nós já passamos por um impeachment. O que importa não é o impeachment. O que importa é o processo em que se der o impeachment. O importante é que seja um processo institucional normal, sem golpe. Valor: E o crescimento econômico, não pode ser afetado? Carneiro: Minha previsão de PIB para este ano é de 3,5% de crescimento. Não é uma taxa ruim. As razões que a gente tinha para imaginar que o crescimento fosse menor em 2005/2006 é que se temia um arrefecimento da política internacional, aumento do preço do petróleo e aumento do juro americano que contraísse a liquidez. Nenhuma dessas coisas está acontecendo. Na realidade o próprio aumento do preço do petróleo para nós deixou de ser um problema, porque o país está quase auto-suficiente em petróleo, pode virar exportador líquido rapidamente. Este não é um fator limitativo do nosso crescimento, os efeitos sobre a economia mundial são muito previsíveis. Acho que o processo de crescimento no Brasil não está alterado, mas atrasado. Podemos exportar e investir mais. Valor: O sr. acha que o Banco Central vai baixar os juros? Carneiro: Acho que há espaço para isto. Apesar de o governo não ter desindexado as tarifas - isto foi um erro forte, pois prolonga os processos de reajuste e desgasta a política econômica -, há surpresas boa da parte dos preços administrados. Valor: O governo tem instrumentos para evitar a contaminação? Carneiro: O primeiro instrumento é falar. O governo deve reafirmar periodicamente que vai continuar fazendo o que está fazendo na política econômica. O Palocci sempre fez isso muito bem. Segundo, dar prosseguimento à agenda econômica, por exemplo, tocando a reforma tributária. A carga tributária vem travando investimentos. O Legislativo tem muito o que fazer, independentemente das CPIs. (VSD)