Título: O apagão penitenciário
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Fonte: Correio Braziliense, 19/04/2010, Opiniao, p. 18

Sempre que um criminoso contemplado com a progressão penal é liberado e reincide no crime, autoridades e o meio jurídico acirram o debate sobre o benefício. Depois tudo cai no esquecimento, até que novo fato traga a polêmica de volta à mídia. É hora de pôr fim nesse círculo vicioso. Basta de mea culpa vazio, sem consequência. Pouco adianta o Estado apenas assumir o erro do sistema na libertação de Ademar de Jesus Silva, condenado a 14 anos de prisão por pedofilia e que, depois de cumprir quatro anos, em apenas sete dias nas ruas, já dava início a macabra série de seis assassinatos. Prova de que essa não é uma falha isolada é que o serial killer provavelmente ainda estivesse em ação se não chamasse tanta atenção ao localizar seus ataques numa única localidade, espalhando o horror pelo Parque Estrela Dalva, em Luziânia (GO). É inacreditável, mas não surpreende, que um psicopata, primeiro, seja liberado, apesar de laudos atestando o potencial de risco que representa; segundo, que passe a conviver livremente com a sociedade, sem qualquer acompanhamento, como o mais comum dos cidadãos. Do mesmo modo, não espantou que, em mutirão carcerário realizado no ano passado, tivessem sido encontradas atrás das grades cerca de 20 mil pessoas detidas de forma ilegal. Os extremos são reflexo do apagão do sistema penitenciário nacional. Celas superlotadas há muito deixaram de ser meio de reabilitação e se tornaram reles depósitos subumanos de seres humanos. Os controles de entrada, permanência e saída se nivelam pela péssima qualidade. Falta seriedade em todas as pontas. Sobram omissão e negligência. Fica patente, pois, que a questão não está na progressão da pena em si. A ineficiência está na aplicação desse importante instrumento de ressocialização (e de tantos outros, senão da totalidade deles). Não dá para esperar avaliação psicológica e acompanhamento psicossocial eficientes no caos das masmorras espalhadas país afora. É hipocrisia e perda de tempo considerar excepcional o caso de Luziânia e limitar o debate a ele. Falar em aumento de penas, endurecimento do regime prisional, mudança de leis, é falácia. De nada adiantarão se não for assegurado que a legislação seja cumprida à risca. Também não existem fórmulas mágicas e as penas alternativas são apenas uma entre muitas saídas a serem encontradas, como o monitoramento eletrônico. A lição a tirar é que, ou o Estado se aparelha para cuidar ¿ de fato ¿ da crescente e explosiva população carcerária, ou a sociedade estará perpetuamente condenada à insegurança e ao horror. Há, sim, que apurar a fundo todo o procedimento que culminou com a soltura de um psicopata ¿ aliás, a doença que o acomete é sabidamente incurável. Há, sim, que imputar a devida culpa aos responsáveis e criar os meios para que a falha não se repita. Mas não se pode fazer de conta que a questão se encerra aí. É preciso uma revolução que restabeleça o império da lei nas cadeias brasileiras sem concessões de qualquer espécie.