Título: CPI está longe de desvendar operação
Autor: Daniel Rittner e Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2005, Política, p. A10

Os parlamentares que estão seguindo o rastro do dinheiro movimentado pelo publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza estão longe de apresentar um retrato consistente do esquema montado por Valério para financiar o PT e seus aliados. Apesar do grande volume de informações sobre os beneficiários do dinheiro, falta esclarecer a origem dos recursos e a maneira como o esquema funcionava. Há muitos pontos nebulosos. Boa parte dos repasses indicados por Valério nos papéis que entregou à Procuradoria Geral da República se refere a pagamentos ainda não identificados pelos assessores da CPI dos Correios que examinam a movimentação financeira das suas empresas. A lista de Valério indica pagamentos no valor total de R$ 56 milhões. Os saques descobertos pela CPI até aqui chegam a no máximo R$ 37 milhões. Parte da explicação está nas dificuldades que os assessores da CPI encontram para trabalhar. Eles são poucos e trabalham o tempo todo sob pressão, como um deles contou a um amigo. Enquanto tentam organizar a papelada produzida pela quebra do sigilo bancário das empresas de Valério, eles são interrompidos com freqüência por parlamentares interessados em cópias de documentos e revelações sobre seus adversários. Outra explicação para a diferença entre os papéis de Valério e os que a CPI examina está na maneira como a lista do publicitário foi produzida. Como a diretora financeira de uma de suas agências, a SMP&B, Simone Vasconcelos, explicou ontem à CPI, a lista foi feita com base em "extratos, anotações, cópias de cheques e lembranças". Segundo ela, não existem registros contábeis que identifiquem os repasses em detalhe. Em outro sinal da confusão que envolve essa contabilidade, Valério indicou na lista que entregou às autoridades um repasse de R$ 200 mil para o deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Em seu depoimento aos procuradores, no entanto, fez questão de registrar que se enganara. O valor correto seria R$ 50 mil, como a CPI dos Correios já divulgou. Também existem muitas dúvidas sobre os empréstimos que Valério diz ter feito a pedido do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de Castro. Na primeira vez em que falou deles, no seu primeiro depoimento à Procuradoria-Geral da República, Valério indicou cinco empréstimos e declarou que a soma dava R$ 39 milhões. Ninguém sabe de onde ele tirou esse número. A soma das cinco operações que ele indicou dá quase R$ 67 milhões. No primeiro depoimento, Valério entregou cópias dos contratos de todos os empréstimos que teria feito a pedido de Delúbio. Mas apresentou também contratos de outras seis operações, no valor total de R$ 85 milhões, que suas empresas teriam feito oferecendo seus contratos de publicidade com empresas estatais como garantia. Valério não explicou à Procuradoria o que são esses empréstimos e a CPI não sabe o que significam. Para vários integrantes da CPI, os empréstimos são operações fictícias destinadas a encobrir a verdadeira origem do dinheiro movimentado por Valério, uma cortina de fumaça erguida para desviar as investigações do que realmente interessa. Pode ser. Mas até agora ninguém encontrou evidências que comprovem essa teoria. O mesmo ocorre com outras teses lançadas até aqui pelos parlamentares. Muitos integrantes da CPI acreditam que as agências de Valério recolhiam propinas e outros recursos com origem em contratos de empresas estatais, para depois distribuí-los ao PT e aos seus aliados. Mas as investigações sobre os contratos dos Correios estão no início e a CPI nada sabe sobre o que ocorreu em outras estatais. Outros acreditam que o superfaturamento de serviços prestados pelas agências de Valério a seus clientes no governo e no setor privado teria gerado os recursos que abasteceram os políticos. Mas a CPI ainda não examinou as despesas feitas pelas agências de publicidade em nome de seus clientes. "Não vamos avançar enquanto não investigarmos a origem do dinheiro", afirma o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). (RB)