Título: Chefe do BC iguala esquema de Valério ao de PC Farias
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2005, Especial, p. A14

Crise Para Ricardo Liao, métodos de lavagem de dinheiro evoluíram para driblar legislação

O chefe do departamento do Banco Central responsável pelo combate à lavagem de dinheiro, Ricardo Liao, igualou o esquema do publicitário Marcos Valério ao de Paulo César Farias, o PC. "Mudando a data base, não vejo diferença do que aconteceu agora com o que ocorreu na época de PC Farias", disse Liao, titular do Departamento de Combate a Ilícitos Financeiros (Decic) do BC. Baseado nas informações que estão sendo divulgadas na CPI Mista dos Correios - em que se configura indícios de lavagem de recursos obtidos sob a forma de caixa dois ou no desvio de recursos públicos -, Liao vê muitas semelhanças entre os dois episódios. Ele nota, porém, uma espécie de evolução nos métodos de lavagem, de forma a driblar a legislação criada para combatê-la. No início da década de 1990, quando PC Farias estava em atividade, a lavagem de dinheiro era feita por fantasmas - ou seja, em contas mantidas por titulares que não existiam. A reação do BC àquele escândalo, diz Liao, foi criar exigências rigorosa para abertura e manutenção de cadastros de clientes. O passo seguinte nos esquemas de lavagem foram os laranjas - ou seja, uso de nomes de pessoas que podiam atender às exigências cadastrais, mas que não eram os responsáveis de fato pelas movimentações financeiras. Essa brecha foi fechada, diz o funcionário do BC, por meio do regulamento que obriga os bancos a conhecerem os seus próprios clientes. "Agora, inventaram o testa-de-ferro", diz Liao, referindo-se a empresas solidamente instaladas - caso da SMP&B -, com movimentações financeiras expressivas em suas próprias atividades legais, mas que aceitam fazer a lavagem de recursos para terceiros. "Como adivinhar que estariam fazendo lavagem de dinheiro? Só com bola de cristal." Liao diz que não há muitos aperfeiçoamentos que podem ser feitos na legislação para inibir esse tipo de prática. Uma das saídas, segue, seria ampliar a qualidade e limitar as comunicações que são feitas ao BC - e repassadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) - para que os órgãos de apuração possam se concentrar nos casos realmente importantes. Hoje, por exemplo, os bancos estão obrigados a comunicar todos os saques em espécie superiores a R$ 100 mil. No primeiro semestre de 2005, foram 55.979 comunicações dessa natureza. Nesse conjunto, estão saques na boca do caixa para, simultaneamente, pagar contas. O presidente do Coaf, Antonio Gustavo Rodrigues, diz que a estrutura do órgão é insuficiente, com apenas 31 funcionários, para para lidar com tantos casos. "O Coaf é ainda uma criança", disse. No caso do publicitário Marcos Valério, pondera, o sistema de combate à lavagem deu as respostas esperadas. Em 2003, relata, o Banco Rural comunicou ao BC operações atípicas da empresa de publicidade SMP&B. Essas informações foram repassadas ao Coaf que, ao cruzá-las com seu banco de dados, verificou que em 2002 o Ministério Público de São Paulo manifestara o interesse em receber dados sobre lavagem de dinheiro de uma empresa ligada à SMP&B. As operações suspeitas foram, então, encaminhadas ao MP, agora como comunicação de indícios de lavagem. O presidente do Coaf diz que, do ponto de vista da comunicação dos saques, os bancos cumpriram a sua função. Pode-se argumentar que a legislação obriga as instituições financeiras a ir um passo além, informando que Marcos Valério e suas empresas tinham um comportamento suspeito. "Uma comunicação como esta parte do pressuposto de que o banco tinha conhecimento do comportamento atípico", afirma Rodrigues. "Mas isso não é algo que está escrito na testa do cliente. Há três meses, ninguém imaginava uma coisa dessas." Liao diz que não é possível afirmar, de antemão, que os bancos deixaram de cumprir suas obrigações no episódio. Mas ele pondera que as apurações estão em curso, tanto no BC quanto na CPI. "Para dizer que houve algo errado, teria que verificar exatamente qual era a relação mantidas por esses clientes com os seus bancos", afirmou Liao.