Título: Juros brasileiros são "intrigantes", diz Snow
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2005, Brasil, p. A4

Entrevista Em visita ao Brasil, secretário do Tesouro americano discutirá o assunto com Palocci e Meirelles

Até o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Snow, se diz perplexo com as altas taxas de juros reais no Brasil e alerta para possíveis efeitos negativos que elas poderão provocar nos investimentos, segundo informou ele próprio em sua primeira entrevista, ao chegar ao Brasil, ontem, para uma visita de três dias ao país. O Secretário do Tesouro americano informou ao Valor que deseja ouvir do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, as razões para se manter os juros, no Brasil, num nível que classifica como "intrigante" ("puzzling"). A prioridade na agenda de Snow, porém, é comemorar os bons resultados alcançados pela política econômica, em matéria de criação de emprego e renda com aumento de consumo e redução da inflação. Snow antecipou que, na conversa com Palocci, pretende discutir a criação de um "veículo" para estimular investimentos privados em infra-estrutura nas Américas. Discutirá também medidas para reduzir a burocracia. "Fico impressionado porque aqui são necessários em média 152 dias para regularizar uma empresa, o que leva cerca de duas semanas nos Estados Unidos", comentou. Embora a crise política estimule no país reivindicações por maior controle sobre movimentações financeiras, Snow aponta para o lado oposto: nos contatos com o governo brasileiro, pedirá medidas para aumentar a liberdade de atuação das empresas estrangeiras no mercado financeiro, como corretoras e seguradoras. Snow evitou estender-se em análises sobre as denúncias contra o governo e a crise política. Diz que, para os investidores americanos, essa é uma questão para as instituições brasileiras, que parecem sólidas o suficiente. "O importante são os fundamentos da economia", diz. Para ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, com quem fala pelo menos uma vez por mês, estão comprometidos com as políticas certas, como o controle fiscal. Snow veio ao Brasil para o quarto encontro com Palocci no "Grupo de Trabalho pelo Crescimento", criado por Lula e Bush no primeiro encontro dos presidentes, em 2003. Snow falou também sobre a eleição, articulada pelos EUA, do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luís Alberto Moreno, que derrotou o brasileiro João Sayad, e sobre a difícil aprovação do Cafta, o acordo de livre-comércio entre EUA, República Dominicana e países da América Central. Ao falar desse tema, curiosamente, omitiu referências à Área de Livre Comércio das Américas, a Alca. A seguir, os principais pontos da entrevista: Ambiente regulatório Vocês deveriam olhar para uma questão fundamental: por que leva tanto tempo no Brasil para estabelecer um negócio? Fico impressionado pelo fato de que aqui são necessários em média 152 dias para regularizar uma empresa, algo que leva cerca de duas semanas nos Estados Unidos ou no máximo três na Ásia. Tanto tempo reduz a velocidade de crescimento na geração de empregos pelas empresas. Infra-Estrutura O ministro Palocci e o presidente Lula estão muito preocupados com a necessidade de mais infra-estrutura, como financiá-la, como obter mais capital privado nesse setor. Temos algumas idéias, uma delas é obter um veículo no continente americano para avaliar projetos exploratórios, um órgão que fornecesse um selo de aprovação para determinados projetos. Há tantos projetos competindo que os investidores ficam desnorteados com as alternativas. Seria positivo haver um local centralizado capaz de avaliar a viabilidade de diferentes projetos, muitos dos quais terão de ser parceiras público-privadas. Quero expor algumas dessas idéias ao ministro; se é algo que o BID pode fazer, ou se outra instituição. O BID deveria ser o lugar. Não são idéias totalmente desenvolvidas, vou discutir com eles. É uma via de duas mãos, tenho grande admiração pelo ministro Palocci. Juros É intrigante. Uma das coisas que quero conversar com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Fazenda é esse tema: a taxa de juros real é bastante alta. Logicamente isso tem claros e previsíveis efeitos sobre investimentos. O interessante é ver como a economia vai bem mesmo com essas taxas. As exportações continuam muito fortes; o setor exportador se fortalece significativamente, a melhoria nas perspectivas para a dívida é encorajadora. Juros e investimento A remuneração tão alta para os papéis do governo tem esse efeito de tomar o lugar do setor privado nas opções de investimento. O investimento enfraqueceu no fim do ano passado e no começo deste ano, mas a economia em geral permanece forte, e eu estou especialmente contente em ver como os salários tiveram um crescimento significativo, com fortes padrões de consumo. A economia segue um curso bom, a inflação caiu, com expectativas de que fique próxima a 5% no ano que vem. Taxas reais de juros muito altas, se mantidas por muito tempo, podem reduzir os investimentos. Vulnerabilidade As economias sempre são vulneráveis aos choques. Por isso estamos tão preocupados com os preços da energia e combustíveis tão altos nos EUA. Uma das coisas que temos de fazer na vida pública é nos preocupar com coisas que podem afetar e enfraquecer o desempenho econômico. Sua economia e indicadores do apoio dos investidores estrangeiros permanecem muito sólidos. As taxas de risco caíram abaixo de 500 pontos base, são muito baixas em termos históricos. É sinal de confiança dos investidores. Crise política O importante são os fundamentos da economia, que o governo permaneça focado em boas políticas, no compromisso com prudência fiscal, com coisas como encurtar o tempo de abertura de empresas, a nova Lei de Falências, o respeito aos direitos de credores, cuidar da regulamentação excessiva, lidar com a lei trabalhista. Vamos falar disso amanhã (hoje). O presidente, os ministros estão comprometidos com boas políticas. Se isso continua, a confiança dos investidores permanecerá forte. Eles vêem a crise como uma questão para as instituições do governo. O Brasil é uma democracia em bom funcionamento, com instituições de governança fortes, capazes de lidar com as questões que surjam. Mudanças no setor financeiro Há espaço no Brasil para modernizar, liberalizar, abrir o setor financeiro. É um dos setores que quero discutir com o ministro: abrir de fato mercados financeiros competitivos, criar um ambiente que faça toda a economia mais forte. Um setor financeiro eficiente, funcional, garantindo liquidez com baixas taxas às empresas garante melhor desempenho do setor privado. Falo de corretoras, seguros, todos os serviços financeiros, que garantem liqüidez. BID O presidente Álvaro Uribe há muito tempo pediu ao presidente George Bush apoio ao candidato colombiano. Estive com o doutor Sayad, o professor doutor Sayad, pois ele é PhD, ele é um homem excelente, fiquei muito impressionado. Mas havia um compromisso com o presidente Uribe. De forma nenhuma isso deve diminuir nossos ótimos sentimentos com o Brasil e os laços estreitos que o presidente Bush tem mantido com o presidente Lula e eu com o ministro Palocci. Espero do BID um maior papel de liderança, em aumentar a capacidade do setor privado. CAFTA Discussões de comércio sempre criam dificuldades para o governo. As perspectivas foram tremendamente melhoradas com a aprovação do Cafta. Se não houvesse sucesso no acordo, as perspectivas para maior liberalização seriam muito diminuídas. Agora podemos ir adiante com a Rodada Doha, na Organização Mundial de Comércio, e com todas as outras iniciativas liberalizantes. Isso mostra que, como no passado, a liberalização comercial é difícil, mas apesar de difícil, nós conseguimos.