Título: Governo libera recursos para quem foi contra investigação
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2005, Política, p. A7

O governo aparentemente premiou os deputados e senadores que se alinharam ao Palácio do Planalto e foram contrários à criação da CPI Mista dos Correios, com a liberação de suas emendas parlamentares no orçamento de 2005 em ritmo bem mais acelerado do que àqueles favoráveis ao início das investigações pelo Congresso. O valor dos empenhos emitidos para emendas dos parlamentares que não assinaram a lista de criação da CPI aumentou de quase R$ 141 mil em maio, auge das discussões sobre a abertura ou não da comissão, para R$ 16,394 milhões em junho. O crescimento - ainda que muito grande - entre um mês e outro pode ser considerado normal, pois foi a partir de junho que a liberação de recursos orçamentários ganhou impulso. A oposição estranha, no entanto, que nem de longe os empenhos emitidos às emendas de parlamentares que assinaram a lista da CPI tenham acompanhado o mesmo ritmo. De exatos R$ 250,6 mil em maio, os recursos liberados subiram para R$ 4,151 milhões em junho, segundo números registrados pelo Siafi, sistema informatizado de acompanhamento de gastos oficiais. Ou seja, os 258 parlamentares que não assinaram ou retiraram as suas assinaturas da lista de criação da CPI tiveram quatro vezes mais empenhos emitidos do que os 249 parlamentares que defenderam essa frente de investigação. Por serem recursos que em última instância beneficiam projetos e obras em suas regiões, as emendas rendem capital político aos deputados e senadores nas suas bases. Os dados reforçam a suspeita de que o governo prometeu beneficiar deputados e senadores que ajudassem o Palácio do Planalto a barrar as tentativas da oposição de criar e instalar uma CPI para investigar a corrupção nos Correios e as denúncias sobre o pagamento de "mensalão" a parlamentares da base aliada. A criação da comissão de inquérito foi aprovada em 25 de maio. "Pela força com que o governo trabalhou até a meia-noite daquele dia, a impressão que dá é a de que houve favorecimento para os parlamentares que não assinaram a lista da CPI", avalia o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Para o líder da minoria, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), o fluxo mais acelerado de empenhos para os parlamentares que ajudaram o governo não é uma "coincidência". "O governo jogou todas as suas forças políticas contra a criação da CPI. Não tenho provas nem registros, mas a máquina tem no uso das emendas um instrumento poderoso de cooptação. No governo anterior, a distribuição das emendas obedecia a critérios mais democráticos", afirma. Os próprios deputados e senadores do PT foram tratados de forma diferenciada na liberação das suas emendas, de acordo com a postura de cada grupo diante da criação da CPI. Os petistas que atenderam aos apelos do governo para não assinar a lista instaurando a comissão tiverem empenhos emitidos de R$ 62 mil, em média, em junho. Aqueles que contrariaram o partido e defenderam a CPI, assinando a lista, tiveram empenhos médios de R$ 34 mil em junho. A liberação de restos a pagar do orçamento de 2004 foi ainda menor: pouco mais de R$ 30 mil por parlamentar. Os seis petistas que retiraram a sua assinatura da lista da comissão não chegaram a ser beneficiados com o empenho das suas emendas no orçamento de 2005, mas tiveram R$ 48,8 mil em liberação de restos a pagar de 2004. Um dos deputados do PT que não tiveram nenhuma emenda empenhada neste ano é Mauro Passos (SC), que foi favorável à criação da CPI e pertence à esquerda do partido. Ele lamenta a falta de recursos orçamentários e ressalta que não é o parlamentar que sai prejudicado, mas a comunidade atendida pelas obras ou projetos beneficiados pela emenda em questão. "As emendas não podem ser utilizadas como instrumento de punição ou coação", assinala Passos. A observação do deputado é amparada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. O artigo 75 da LDO para 2005 afirma que "a execução da lei orçamentária e seus créditos adicionais obedecerá ao princípio constitucional da impessoalidade na administração pública, não podendo ser utilizada para influir na apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso". A reportagem do Valor consultou os ministérios do Planejamento e da Fazenda sobre a liberação das emendas dos parlamentares e questionou se houve favorecimento a deputados e senadores que se posicionaram contra a criação da CPI dos Correios ou se os números refletem apenas uma coincidência. Os dois ministérios responderam que não se responsabilizam pela liberação das emendas parlamentares. Segundo as suas assessorias, eles contingenciaram parte dos recursos orçamentários para investimentos em fevereiro. A partir das definição do montante de verbas disponíveis, cada ministério prioriza da forma como bem entender o empenho e a execução das emendas parlamentares, de acordo com as suas prioridades. O Valor fez os mesmos questionamentos à assessoria de imprensa da Presidência da República, que não respondeu por não tratar-se de assunto diretamente relacionado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo informou. Procurada, a assessoria do ministro da Coordenação Política, Jaques Wagner, responsável pela negociação de apoio ao governo no Congresso, disse que é a partir do segundo trimestre que os empenhos de emendas parlamentares começam a ser emitidos e, portanto, ainda é muito cedo para fazer comparações.