Título: ¿Tentativa de vingança contra o MP¿
Autor: Bigonha, Antônio Carlos
Fonte: Correio Braziliense, 20/04/2010, Política, p. 5

Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República avalia que a lei Maluf é reflexo da atuação do Ministério Público contra a corrupção. Aprovação da proposta atrasaria investigações

Diego Abreu

Engajado na luta contra a aprovação do Projeto de Lei nº 265/07, conhecido como lei Maluf, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Antônio Carlos Bigonha, mobilizou entidades ligadas ao Ministério Público em uma campanha contra a proposta que prevê punições a procuradores e promotores que usarem de ¿má-fé¿ para abrir processos contra autoridades, e utilizarem da prerrogativa para fazer perseguição política. Bigonha acusa o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) de legislar em causa própria. No mês passado, o parlamentar foi incluído na lista de procurados da Interpol, a polícia internacional. Ele é alvo de um mandado de prisão expedido pela Justiça dos Estados Unidos por crimes de conspiração, envio de dinheiro ilegal para Nova York e roubo de dinheiro público em São Paulo. O deputado nega.

Em entrevista ao Correio, Bigonha disse que a resistência que o Ministério Público tem encontrado ao fazer o controle externo da Polícia Federal é fruto de ¿uma atuação incisiva¿. Em março, a PF publicou resolução que limita o controle exercido pelo MP, sob a alegação de que membros do órgão não podem ter acesso a documentos internos. O presidente da ANPR também destacou a recente criação de mecanismos que, segundo ele, coibiram abusos e aumentaram a eficiência da instituição.

Quais os prejuízos que a lei Maluf pode trazer para a atuação do Ministério Público caso seja aprovada? A Lei Maluf é uma iniciativa isolada dentro do Parlamento que se traduz numa tentativa de vingança contra o Ministério Público em decorrência da intensa atuação no combate à corrupção. O deputado Paulo Maluf já foi muito investigado pelo MP, condenado várias vezes pela Justiça brasileira e agora tenta se vingar com a aprovação dessa lei. O prejuízo que causaria seria o de tumultuar o processo de investigação dos casos de corrupção, porque assim vai ter que se julgar primeiro o promotor que propõe a ação.

O senhor teme que a lei seja aprovada? Não temo porque considero que o Congresso tem tido uma interlocução excelente com o Ministério Público e temos construído uma ponte muito boa com a classe política. Estamos fazendo o alerta porque o preço da liberdade é a eterna vigilância, temos que vigiar para não correr nenhum risco da aprovação. E temos o papel de esclarecer a sociedade sobre o sentido contraditório dessa iniciativa do deputado Paulo Maluf, que está legislando em causa própria.

Nos últimos dois anos, integrantes do Poder Judiciário têm criticado a atuação do Ministério Público. Há uma falta de sintonia entre o MP e a Justiça? Eu acho que a crítica é cada vez menos necessária e pertinente, porque a instituição tem buscado mecanismos eficazes para coibir os abusos.

Quais mecanismos? Sobretudo o fortalecimento das corregedorias, o engajamento dos conselhos superiores e a modernização e o fomento do trabalho do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Esse é um instrumento estratégico e poderoso para aumentar a eficiência da nossa instituição e coibir eventuais abusos, que acontecem em qualquer instituição da República.

O senhor é a favor da aposentadoria compulsória como pena máxima para juízes e integrantes do Ministério Público? Até a Emenda Constitucional nº 20 (que mudou o custeio do Regime Geral de Previdência), a aposentadoria no Brasil era um prêmio concedido pelo Estado ao servidor. Independentemente da contribuição, o servidor tinha direito à aposentadoria com os proventos integrais. Após essa emenda, o regime de aposentadoria do servidor público passou a ser regido por outros critérios, passou a ser um seguro administrado pelo Estado. Se nós não pagássemos a aposentadoria proporcional, estaríamos subtraindo do servidor um direito assegurado pela Constituição.

Por que a diferenciação entre o servidor comum e os magistrados e membros do MP? O servidor público que contribui para um regime securitário tem o direito de sacar as suas contribuições. A pena de aposentadoria do promotor ou do juiz para o exercício do cargo já é grave. Ele dificilmente vai conseguir ingressar em outro cargo do Estado, vai ter que exercer uma atividade privada. Mas retirar o dinheiro que ele recolheu como contribuição previdenciária para os cofres públicos seria não uma pena, mas uma expropriação de um patrimônio que é dele. O fato da sua conduta em rigor não atinge aquele seguro.

O senhor é a favor de que promotores e procuradores disputem cargos eletivos? Considero que a capacidade eleitoral deve ser estendida a todos os setores da sociedade. Membros do MP deveriam poder participar das eleições. Hoje, é preciso pedir demissão.

O MP se envolveu em recente polêmica sobre o controle externo da Polícia Federal. O órgão tem exercido essa prerrogativa? Acho que o tom desse debate subiu um pouco justamente porque o MP tem tido uma atuação mais incisiva em relação ao controle externo da atividade policial, que nasceu na Constituição de 1988 no contexto do trauma da ditadura militar, quando a polícia não teve uma atuação muito republicana. A polícia foi o instrumento da repressão. Esse trauma possibilitou uma discussão na constituinte que conduziu ao estabelecimento do controle externo da atividade policial, para que não voltasse a ocorrer tortura ou mortes como no caso de Vladimir Herzog. Nestes mais de 20 anos de Constituição, o MP tem encontrado resistência para fazer esse controle. Mas temos tentado exercer esse controle efetivamente.

Está havendo uma campanha antecipada por parte dos candidatos à Presidência da República? Acho que nunca haverá uma regulação suficiente para a propaganda eleitoral e a campanha antecipada, porque o processo político é muito dinâmico. Temos que trabalhar com o critério de razoabilidade, o que acontece hoje. É sempre importante ter em mente que o eleitor deve ter o maior número de informações possíveis. Não podemos chegar ao ponto de regulação do processo eleitoral que comprometa a transparência e o direito à informação. Há os limites e, por isso, o Tribunal Superior Eleitoral tem atuado.

No caso do presidente Lula e da ex-ministra Dilma Rousseff está havendo propaganda eleitoral antecipada? Tanto o presidente quanto como a ex-ministra e também com o ex-governador de São Paulo (José Serra) é muito difícil tirar deles a projeção que têm pelo exercício dos cargos, e isso é importante até para que o eleitor faça a sua opção. É bom para o eleitor que eles deixem claro suas posições e suas ideias.