Título: Manifestantes do passe livre não aderem ao ato da UNE
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2005, Política, p. A8

A manifestação que a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes (UBE) pretendem fazer no dia 16 de agosto em Brasília em defesa da ética deve ter uma lacuna importante: o Movimento Passe Livre, mais importante mobilização social de jovens surgida nos últimos anos. O movimento, que atua em pelo menos 29 cidades brasileiras, corre por fora dos vínculos institucionais da política partidária, e é crítico das entidades tradicionais de representação estudantil, que hoje gravitam em torno do apoio e da oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. A partir de vitórias como a criação da lei que dá gratuidade ao estudante no transporte coletivo em Florianópolis, o movimento pressiona por conquistas semelhantes em outras cidades em que atua. Em Santa Catarina, um de seus principais redutos, esse movimento ganhou vulto desde o ano passado, quando houve o primeiro grande protesto em Florianópolis contra o aumento de tarifas. Liderado por estudantes desde 2000, conseguiu maior repercussão depois que saiu pelas escolas da capital com um vídeo que mostrava a situação vivida na Bahia, em 2003, durante protestos pela redução da tarifa. Conseguiu adeptos com a chamada "caravana do passe livre", que deve voltar a fazer reuniões em colégios em agosto. Há diferenças de pensamentos dentro do próprio movimento e uma comunicação muito mais moderna e eficiente por meio de Internet e os celulares. Pela rede, durante os dias de protestos, marcam-se encontros, passam-se listas de recomendações em caso de serem pegos pela polícia e são divulgados vídeos e imagens colhidas pelos próprios manifestantes. "A forma como os partidos políticos e diversas entidades de representação se comportam hoje mostra que eles mergulharam numa política pautada pela agenda burguesa e há um desgosto muito grande do jovem de esquerda por esse tipo de movimento. Acho que lugar de estudante não é mais nesses organismos que viraram verdadeiras escolas de burocratas e governantes", diz Matheus Felipe de Castro, 29 anos, doutorando da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e um dos membros do Movimento Passe Livre. Em Florianópolis, Castro e outros estudantes insatisfeitos com o aumento da tarifa do transporte coletivo saíram às ruas em junho, em uma série de 20 dias de manifestações. Ele, paranaense que vive em Florianópolis, integra o movimento há cerca de 2 anos. Diz que é uma corrente que agrega pessoas bem diferentes. "Eu sou leninista. Mas há trotskistas, anarquistas e gente sem corrente alguma que faz parte do movimento". Eles já fizeram encontros nacionais em que discutem a situação das diversas cidades. O primeiro foi em Florianópolis em 2004, e no último dia 22, houve mais um, em Campinas. Filho de jornalistas, nascido em Belém do Pará e criado em São Paulo, Marcelo Pomar, recém-formado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), é um dos criadores do movimento. Diz que seu sucesso se deve à horizontalização do movimento, sem predominância de líderes. "Essa geração de hoje nutre um desgaste muito forte com partidos políticos e outras entidades como a UNE. É uma geração que não se vê representada. O movimento seria uma frente única, não um movimento ideológico. Ele tenta satisfazer os anseios dos jovens com diversas diferenças de pensamentos", diz Pomar. Os jovens que participam de manifestações em Florianópolis, em sua maioria, não são filiados a partidos políticos, e se mostram contra qualquer instituição que tente se aproveitar do movimento por interesse eleitoral. Não deixam bandeiras de partidos serem hasteadas e mostram independência. Os manifestantes atuam estrategicamente fechando avenidas e fazendo a preparação às quintas-feiras, dias em que havia esforços como divulgação de e-mails e um boca-boca forte nas universidades por manifestações populosas. São frequentes os enfrentamentos com a PM. "Hoje, quando me encontram na rua, as pessoas elogiam", diz Pomar. De fato, os estudantes são vistos com bons olhos pela sociedade porque conquistaram uma vitória que beneficiou toda a população de Florianópolis. Pelo ônibus mais comum em vez de R$ 1,75, agora voltou-se a pagar R$ 1,60. A capital de Santa Catarina, contudo, tem ainda a passagem mais cara do Brasil, podendo-se pagar R$ 2,75, dependendo o trecho que será percorrido. Não há ainda política de passe livre (nenhum estudante tem passagem gratuita hoje) e a integração do sistema, com a construção de novos terminais no ano passado, virou um problema para a sociedade, já que não conecta o transporte de forma efetiva. Tiago Andrino, 24 anos, estudante de Direito no Cesusc, foi um dos jovens que presos logo no início dos protestos de junho. Ao contrário de outros, ele foi pego em um restaurante pela polícia, enquanto jantava com amigos. Em uma exposição para os participantes dos protestos, Andrino disse que foi colocado em uma cela com um acusado de latrocínio. "Ele até ofereceu metralhadora para a gente porque dizia que apoiava o movimento", contou. Andrino é presidente da União Catarinense dos Estudantes (UCE), e um dos que se uniram ao movimento durante as manifestações. Nada impede que outras organizações se unam ao Movimento Passe Livre por uma causa, como também há liberdade para que os membros que quiserem, façam parte dos atos do dia 16 em Brasília. O movimento, no entanto, não prega isso. Como muitos jovens, Andrino votou no governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB) no segundo turno das eleições. Hoje diz que vive frustração com o governo, especialmente pelo posicionamento que vivenciou por parte da PM. "O pior é o Dário Berger (PSDB, prefeito de Florianópolis), mas o Luiz Henrique tem responsabilidade também", diz. Para a socióloga Dalva Brum, professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o movimento que no início era só dos estudantes agregou pessoas de diversas partes da sociedade. Ela considera que entre os motivos que deram grande vulto ao Passe Livre em Florianópolis está o fato de as autoridades terem tratado com descaso o protesto contra os altos preços e terem demorado a agir. Na sua opinião, o movimento foi vitorioso porque ganhou adeptos. "E mesmo que não tivesse conseguido o recuo de preços, ele já teria sua importância concretizada porque mostrou que é possível a sociedade se unir e conseguir mudar", disse. Pomar, Andrino e Castro, embora considerem suas diferenças, estiveram em comum acordo nas manifestações. Tinham como alvo a política do prefeito e classificaram as ações da prefeitura em, por exemplo, não permitir que a manifestação dos estudantes percorresse a ponte Colombo Salles, como um despreparo do governo diante do movimento social. Houve colocações infelizes, que acabaram por servir de combustível aos protestos, na opinião dos estudantes. Berger chegou a ser noticiado na mídia local: "Não sou bocó. (Enquanto for prefeito), ninguém vai fazer xixi na minha perna". O governador, por outro lado, era freqüentemente lembrado com a frase dita no ano anterior, em 2004: "No meu governo, polícia não bate em estudantes". Pomar e Andrino, embora sem partido, possuem diversas ligações com figuras do meio político. Luciana Genro, deputada do Psol, por exemplo, foi quem pagou a fiança de Pomar, quando também foi preso no início de junho. Ângela Albino, vereadora do PCdoB em Florianópolis, intermediou diversos diálogos entre estudantes como Andrino e autoridades. Familiares do Pomar são antigos membros do PCdoB. Mas os jovens-líderes dizem não pensar em uma carreira política. Todos simpatizam com a profissão de professor e querem seguir carreira acadêmica. Pomar, que hoje dá aulas de xadrez em uma escola, justifica dizendo hoje não concordar com a forma como estão organizados os partidos, sem liberdade para expressão e sem independência verdadeira. Castro, que hoje relê o livro A Revolução Burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes, para sua tese, pretende em breve dar aulas em uma universidade.