Título: Obsessão em fazer o sucessor
Autor: Rothenburg, Denise; Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2010, Política, p. 2

Meirelles quer emplacar presidente do BC que dê continuidade à sua política econômica

Boa parte da indefinição manifestada ontem pelo presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, que adiou mais uma vez o anúncio de seus próximos passos, teve como causa a obsessão em preservar a alma da autoridade monetária. Meirelles, que enfrentou resistências dentro do próprio BC no início de sua gestão e sucessivos levantes da base aliada do governo, não abre mão de deixar em seu lugar ¿ caso decida sair ¿ alguém que dê continuidade às ações implantadas pelo banco desde 2003.

Símbolo de uma política econômica tida como conservadora e continuísta, Meirelles moldou o organograma do BC e sua atuação de forma cuidadosa. Ontem, enquanto jogava com a possibilidade de renunciar ao posto, parte do governo passou a patrocinar nomes que, para Meirelles, não são os mais adequados para chefiar o órgão responsável por guardar a moeda. Na bolsa de apostas, Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e Nelson Barbosa, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, ganharam força. A ascensão de ambos não só preocupou Henrique Meirelles, como o motivou a intensificar o lobby para alçar o diretor de Normas, Alexandre Tombini ¿ seu preferido ¿ à Presidência.

Barbosa é um técnico que integra o time dos economistas considerados heterodoxos pelo mercado. Sua ida para o BC, na avaliação de Meirelles, poderia causar ruídos e patrocinar instabilidades desnecessárias. Na Esplanada dos Ministérios, o secretário é um dos maiores críticos dos juros altos(1) praticados pelo Banco Central. Barbosa não vê risco de descontrole de preços e atua como porta-voz de uma corrente que defende menos restrições monetárias e mais crescimento. A candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, admira Nelson Barbosa. O auxiliar é referência para a ex-ministra da Casa Civil, que confidencia em conversas privadas o desejo de tê-lo ocupando algum cargo-chave no governo a partir de 2011, caso seja eleita.

Terrorismo Quase todas as medidas fiscais tomadas pelo governo nos últimos três anos, inclusive os cortes de impostos para incentivar o país a sair da recessão causada pela crise internacional, saíram da mesa de Nelson Barbosa. Apesar da boa performance no Ministério da Fazenda e de ser elogiado com frequência pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Barbosa é alvo de desconfianças por parte de Henrique Meirelles. O presidente do BC ainda não engoliu a reação do secretário ao relatório de inflação divulgado pelo BC em setembro do ano passado. Barbosa declarou publicamente que o documento fazia ¿terrorismo¿. Ministério da Fazenda e Banco Central têm visões distintas sobre a necessidade de alterar a taxa Selic para combater a inflação.

Já Luciano Coutinho, outro que nos últimos dois dias teve seu nome citado como possível sucessor de Meirelles, é um economista bastante identificado com o modelo que o PT considera ser o ideal para o desenvolvimento do país. O presidente do BNDES é, juntamente com outros economistas heterodoxos, um dos principais conselheiros econômicos de Lula. Durante os dois mandatos do petista, ele sempre figurou como alternativa para ocupar cargos de relevância no governo. Por pelo menos três vezes, quase foi nomeado ministro do Planejamento e da Fazenda. Curiosamente, Luciano Coutinho é apontado como curinga tanto por Dilma Rousseff, quanto pelo provável candidato à Presidência pelo PSDB, José Serra.

1 - Taxa de juros A Selic é a taxa básica de juros da economia brasileira. Serve como referência para a negociação de títulos públicos e como ponto de partida para os juros cobrados pelos bancos para financiar empresas e pessoas físicas. A fixação da Selic é a principal arma do BC no combate à inflação.

Análise da notícia Um homem em conflito

A defesa que a ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, fez do secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, para presidir o Banco Central deu a Henrique Meirelles duas certezas: ao mesmo tempo em que, no PMDB, não é preferido para vice na chapa de Dilma, não é, no coração da ex-ministra, o nome para o Banco Central num futuro governo. Essa foi a sensação que ficou depois que Dilma desconfiou da escolha de Meirelles para presidir o BC, o diretor de Normas, Alexandre Tombini, e preferiu apostar as fichas em Barbosa. A leitura de muitos foi a de que ela deseja mudar alguma coisa no BC e ninguém garante que, ao longo da campanha, não faça novas investidas. Meirelles tem orgulho da equipe e vê em Tombini a certeza da continuidade da política de metas de inflação, de câmbio e de juros ¿ receita que ajudou a vencer a crise econômica. Não quer que isso se perca. Por isso, está no dilema entre ficar no BC ou, na hipótese de não convencer o presidente Lula a nomear Tombini, largar tudo e cair na campanha para o Senado.

Para completar, Meirelles não tem o mesmo tino do ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, que sai do governo para o que der e vier. Meirelles gosta de ter a certeza do futuro. E, em se tratando de PMDB, é mais fácil calcular juros e taxas de câmbio do que negociar com Michel Temer e Íris Rezende um espaço em Goiás. Agora, em que a incerteza do futuro pesou nas duas pontas, Meirelles é mesmo um homem em conflito (DR e LP)