Título: As pedras no caminho de Meirelles
Autor: Rothenburg, Denise; Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2010, Política, p. 2

Às vésperas do prazo eleitoral, presidente do BC não obtém garantia de Lula de ser vice de Dilma nem de indicação de sucessor na gestão da economia. Dificuldades adiam definição de candidatura

Nem a vice de Dilma nem o sucessor no Banco Central. Nas conversas palacianas que manteve nos últimos dois dias para definir o seu futuro político, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não obteve do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o que mais desejava e ainda viu crescer o risco de não emplacar o diretor de Normas, Alexandre Tombini, como futuro presidente da instituição. Nas últimas 24 horas, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, defendeu a nomeação do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, para a presidência do BC. Assim, sem a garantia de que Lula moveria montanhas para fazer dele, Meirelles, candidato a vice na chapa da petista à sucessão presidencial, e sem Tombini, Meirelles arremeteu a sua saída e vai aproveitar as próximas horas para tentar demover Lula de nomear Barbosa.

¿Essa é uma decisão que envolve esta instituiçâo. O papel que esta instituição tem para o Brasil. Estamos conversando e avaliando. Meu tempo só termina à meia-noite (do dia 2, sexta-feira santa)¿, afirmou Meirelles ao fim da solenidade de 45 anos do BC. Era a senha de que algo estava errado internamente (leia detalhes na página 3).

A questão política, do PMDB, Meirelles tentou resolver na noite de terça-feira, quando foi à casa do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), pré-candidato a vice na chapa de Dilma. Lá, calculou os sentimentos dos peemedebistas, reunido com os líderes no Senado, Renan Calheiros (AL), na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), e o do governo, senador Romero Jucá (RR).

A maioria dos presentes pediu que ele deixasse o governo para concorrer a um mandato de senador. São poucos aqueles que desejam Meirelles no BC para se ver livre do fantasma que tenta tirar Temer da vice de Dilma. O argumento é o de que, se eleito, será a referência do PMDB em economia, com status para ocupar qualquer cargo. Os peemedebistas avaliam que a relação de Meirelles com Dilma não é tão próxima. Portanto, hoje não há garantia de permanência no cargo, em caso de vitória da ex-ministra.

¿Eu defendo que ele prossiga a sua trajetória política como candidato. Seria a nossa referência no Senado para as questões econômicas e se credenciaria para este ou aquele governo. Ele acumulou uma experiência que o partido não pode prescindir¿, comentou o deputado Rocha Loures (PMDB-PR).

O presidente do Banco Central estava quase convencido, quando o vice-presidente da Caixa Econômica Wellington Moreira Franco, um dos maiores aliados de Temer, levantou a lebre: ¿E se a política econômica mudar? O presidente Lula tem razão quando diz que sua presença dá segurança e ajuda o governo¿. Pronto: lá estava Meirelles disposto a ficar, fazendo jus à ¿fama de tucano¿(1).

Foi essa dúvida e o trabalho da ministra Dilma por Barbosa que levaram Meirelles ao gabinete do presidente Lula ontem à tarde. O presidente não o recebeu porque estava reunido com o senador Osmar Dias (PDT-PR), tentando atraí-lo para a montagem do palanque de Dilma no estado. O presidente do BC, então, voltou para a sede do Banco, onde foi homenageado pelo diretor de Liquidação, Gustavo Matos do Vale.

Ali, Meirelles falou por 15 minutos. Tomou cuidado em usar os verbos no passado. Cheio de citações, falou pausadamente ao mencionar a frase de um consultor internacional: ¿Um líder não é aquele que diz o que as pessoas querem ouvir e sim o que elas devem ouvir¿, disse, lembrando da maior crise que enfrentou no cargo: ¿Durante muitos anos ouvimos perguntas sobre como seria o comportamento do Brasil e do BC durante a primeira crise. O Brasil foi o país que viveu a crise mais curta. Essa foi a prova de fogo e o papel do BC foi reconhecido internacionalmente¿. O único ato falho foi quando se referiu ao discurso do diretor que o homenageou: O diretor Gustavo fez aqui o que eu poderia fazer talvez em um relatório de gestão, em um ato de transmissão de cargo futuro, o dia em que eu morrer¿, mas o fato concreto é que o diretor Gustavo me poupou bastante trabalho de pesquisa e de estudo. Foi um relato extenso, detalhado e completo de tudo o que foi conseguido pelo BC nos últimos anos¿, disse, provocando risos na plateia. Até o fechamento desta edição, as apostas continuavam tendentes à saída.

1 - Em cima do muro No governo Collor, os tucanos ficaram com a pecha de indecisos por conta das intermináveis reuniões para discutir se iriam integrar a equipe do então presidente da República. Foram vários dias de idas-e-vindas, quando, por fim, graças ao senador Mário Covas (PSDB-SP), já falecido, recusaram o convite. Collor terminou afastado do cargo por um impeachment e os tucanos conquistaram a Presidência da República na eleição de 94, com Fernando Henrique Cardoso.

Tom de despedida

Em tom de despedida, o diretor de Liquidações e Controle de Operações do Crédito Rural do Banco Central, Antonio Gustavo Matos do Vale, aproveitou ontem um ato interno do BC ¿ em comemoração aos 45 anos de criação da autoridade monetária ¿ para enaltecer a era Henrique Meirelles. A uma platéia formada pela velha guarda de servidores do banco, Vale fez um longo e elogioso histórico dos últimos sete anos de vida do órgão, pontuando em seu discurso episódios e ações que marcaram positivamente a trajetória de Meirelles.

Longevo como Henrique Meirelles na cúpula do BC, Vale destacou a atuação do chefe em momentos decisivos da economia brasileira. Fez comparações de dados macroeconômicos, colocando lado a lado resultados pré e pós 2003. Exemplificou como feitos memoráveis de Meirelles a queda da taxa do risco país, a conquista do grau de investimento ¿ nota conferida por agências internacionais de classificação ¿, além do maior acúmulo de reservas cambiais no período.

Estrategicamente, porém, o diretor omitiu rusgas internas, que tanto atrapalharam o trabalho de Meirelles em alguns momentos. O auxiliar também ignorou o ¿fogo amigo¿ disparado pelo PT, que durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pressionou por diversas vezes para que o presidente do BC deixasse o cargo. Apesar de considerado chapa branca por boa parte dos presentes, o discurso de Vale agradou à maioria dos antigos funcionários do BC. (LP)

Essa é uma decisão que envolve esta instituiçâo. O papel que esta instituição tem para o Brasil¿

Henrique Meirelles, presidente do Banco Central

Uma história de polêmicas

2 de janeiro de 2003 O ex-presidente mundial do BankBoston Henrique Meirelles toma posse na Presidência do BC em meio à disparada da inflação, do câmbio e da dívida pública. Ele foi a sétima opção do presidente Lula, que teve dificuldades em convencer alguém de mercado a assumir o posto. Na primeira decisão do Copom do novo governo, em fevereiro, os juros são elevados de 25,5% para 26,5%

Maio de 2004 O engenheiro Marco Túlio Pereira de Campos, primo e procurador de Meirelles, é detido ao embarcar em Congonhas, com destino a Goiânia, com R$ 32 mil em espécie, dinheiro não declarado

29 de julho de 2004 O diretor de Política Monetária, Luiz Augusto Candiota, pede demissão três dias após o surgimento de notícias segundo as quais ele e Meirelles haviam feito remessas ilegais de recursos para o exterior. Meirelles afirma que não tem motivos para deixar o cargo, pois as acusações seriam ¿inconsistentes¿. Privadamente, ele as atribui ao ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu

13 de agosto de 2004 Sob acusação de evasão de divisas, de sonegação fiscal e de ocultação de bens, Meirelles ganha o status de ministro por força da Medida Provisória 207, editada pelo presidente Lula para lhe garantir foro privilegiado. A partir daí, ele só poderia ser processado no Supremo Tribunal Federal, o que serviu como uma blindagem no cargo

11 de maio de 2005 O ministro Marco Aurélio, do STF, acata o pedido do procurador-geral da República, Claudio Fonteles, e ordena a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Meirelles

Setembro de 2005 Depois de 10 meses de investigação nas declarações de Imposto de Renda de Meirelles, a Receita Federal conclui que ele não cometeu nenhum crime fiscal e que tinha direito a uma restituição de R$ 148,6 mil

27 de março de 2006 O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, é demitido depois de quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo de Souza. Meirelles perde seu principal aliado na condução ortodoxa da economia e passa a responder diretamente a Lula, passando por cima do novo titular da Fazenda, Guido Mantega

1º de janeiro de 2007 Lula toma posse no segundo mandato e mantém Meirelles à frente do BC

Setembro de 2008 O Banco Central dá início às medidas de combate à crise econômica, com liberação de compulsório, leilões de dólar e linha de troca com o Federal Reserve, o BC norte-americano

22 de julho de 2009 A taxa básica de juros (Selic) cai para o menor patamar da história, 8,75% ao ano

30 de setembro de 2009 Meirelles se filia ao PMDB. Começam os rumores de sua candidatura para presidente da República, vice, governador de Goiás ou senador

Novembro de 2009 O diretor de Política Monetária, Mário Torós, concede entrevista ao jornal Valor Econômico. Entre outras coisas, declara que Meirelles quase deixou o cargo no auge da crise. O governo pensou em substituí-lo pelo economista heterodoxo Luiz Gonzaga Belluzzo. Torós, um dos mais conservadores da equipe, revela dados sigilosos e é demitido