Título: Um bem-estar econômico à prova de questões políticas
Autor: Mara Luquet
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2005, EU &, p. D2

A crise política abateu o país em pleno vôo econômico. Em 2005, a economia brasileira deve registrar o segundo ano consecutivo de crescimento elevado, cerca de 3%, após ter apresentado crescimento de 4,9% em 2004. A taxa de inflação (IPCA), por sua vez, vai fechar em queda pelo quarto ano consecutivo, dentro da banda de flutuação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o sistema de metas. Este ano também o comércio exterior vai registrar o maior superávit desde o início da contabilização das contas nacionais em 1947. Este montante deve ultrapassar US$ 38 bilhões, gerando superávit em conta corrente pelo terceiro ano consecutivo e com corrente de comércio - soma de exportações e importações - recorde. No campo das contas públicas, o ano de 2005 será o sétimo de ajuste fiscal e superávit primário, uma experiência inédita para o Brasil não somente pelos dados, mas pela disseminação da idéia de que o ajuste é a condição primária para a estabilidade econômica. Enfim, nunca, pelo menos nos últimos 30 anos, indicadores econômicos tão importantes para a saúde financeira do país estiveram tão alinhados. Os resultados fazem parte de um cuidadoso levantamento realizado pela economista Elisa Pessoa, da Opus Gestão de Recursos. Além de os indicadores estarem alinhados, ela ressalta a qualidade dos resultados atuais como, por exemplo, a taxa de inflação. "Desta vez, a queda não está inserindo nenhuma distorção nos preços relativos como foi o caso do cambio fixo e dos métodos heterodoxos (confisco, congelamento, tablitas, etc) do passado", diz Elisa. "Ao contrário, a estabilidade de preços agora está sendo alcançada pelo correto manejo da política monetária, que teve sucesso em compatibilizar a demanda agregado ao ritmo de crescimento do produto potencial", acrescenta a executiva da Opus. Um outro exemplo, cita Elisa, é o resultado da balança comercial: "esse montante não está condicionado a um cambio artificialmente desvalorizado, como observado no início da década de 80, quando a política cambial foi usada para ajudar o país a sair da recessão". Os números levantados por Elisa talvez sejam uma pista importante para levar às razões pelas quais a popularidade do presidente Lula esteja resistindo ao vendaval político. Os analistas dizem que baixa inflação e emprego em alta são ingredientes poderosos para a popularidade de qualquer governante porque trazem um bem-estar econômico que dificilmente é ofuscado por questões políticas. A década de 70 foi campeã na história recente da economia brasileira em termos de crescimento, com expansão média de 8,6% ao ano. Mas a taxa de inflação era ascendente. Esse desempenho custou caro na década seguinte. Os anos 80 foram marcados pela vulnerabilidade externa, resultado do forte processo de endividamento do país nos anos 70. O país teve de amargar os reflexos de dois choques do petróleo e também a alta dos juros internacionais, razões que acabaram por levar o Brasil à beira da hiperinflação no fim dos anos 80. Esses eventos foram cruéis para a economia, que apresentou desempenho pífio em termos de crescimento: somente 1,7% em média ao ano na década de 80. Os números atuais fazem com que os estrangeiros resistam em deixar o país. Mesmo o movimento de sexta-feira, dia 22, que estressou os preços dos ativos brasileiros e derrubou o principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (o Ibovespa), não chegou a contaminar os mercados ao longo da semana e causar um desastre financeiro como observado nas crises que atingiram as economias emergentes a partir do segundo semestre de 1997 e na crise brasileira de 2002, reflexo do estresse eleitoral. "A economia vai bem e corre um risco de ainda melhorar", diz Jorge Simino, prestigiado gestor de carteiras e hoje sócio da MS Consult, especializada em analise setorial. Os resultados das empresas confirmam essa observação e deixam ainda mais apreensivos os investidores que pensam em sair do país. Eduardo Kondo, analista da Concórdia Corretora, acompanha com lupa o resultado das empresas e projeta um crescimento de 19% para este ano. Com isso, ele diz, o Índice Bovespa deve alcançar 31.000 pontos. Ele é autor de um estudo que mostra uma forte correlação entre o desempenho do Ibovespa e o resultado das empresas. "A correlação entre o lucro da empresa e o retorno do Ibovespa é de 0,99", diz Kondo. Os resultados apresentados no primeiro semestre, segundo ele, já proporcionaram para os acionistas um ótimo retorno com o pagamento de dividendos (parte do lucro distribuído aos acionistas), em que pese toda a crise política.