Título: Penhora on line: modismo irresponsável
Autor: João Antonio César da Motta
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"O paradoxo está em que não se pode colocar no mesmo plano um renitente devedor e quem tem algo a opor à execução"

Como a idéia geral é modernidade, globalização, tem-se firmado ultimamente frente ao Judiciário que a premissa - louvável, diga-se - de agilizar a recuperação de créditos passa necessariamente pela denominada penhora on line, onde o juiz, previamente cadastrado no sistema informatizado do Banco Central (Bacen), comanda ele próprio o bloqueio de saldos líquidos em contas-correntes do devedor até o montante em execução. Isso se dá pela premissa de que uma Justiça ágil na recuperação de créditos teria o condão de baixar o risco e, conseqüentemente, as taxas de juros no país. Isso é verdade e, concomitantemente, uma grade mentira. O paradoxo reside em que não se pode colocar no mesmo plano um renitente devedor ou, noutra vereda, quem tenha algo a opor à execução que está sofrendo. Exemplificativamente, se alguém, executado, vem indicar um bem à penhora que, sob o controle da jurisdição, possa servir de garantia à oposição de embargos do devedor, uma ação que visa discutir, dentre outras coisas, desde um excesso até a nulidade total da execução, é absurdo afastar-se a indicação de tal bem para se invadir as contas-correntes e penhorar o que lá for encontrado, inclusive fundos líquidos comprometidos com obrigações anteriores. Já em outro cenário, onde o executado não indica bem algum ao juiz ou, ainda, de outras formas busca protelar a execução, é plenamente justificável a expedição imediata de uma ordem de bloqueio de contas. A questão é que, frente ao Poder Judiciário, está se alastrando a cômoda determinação da penhora on line, bastando o credor recusar o bem oferecido em garantia e assim o requerer. Aliás, em alguns casos nem precisa requerer. Tal estado de coisas representa um modismo que beira à irresponsabilidade, pois a menos que se considere revogado o artigo 620 do Código de Processo Civil (CPC), é certo que a execução deve se processar no interesse do credor mas, legalmente, da forma menos gravosa ao devedor. A jurisdição, por si só, por sua natureza, clama por atitudes de temperamento e de pacificação, pois é impensável, inimaginável que a uma execução que possa ser embargada, seja por questão de política judiciária (e é o que parece), se proceda desde logo a penhora de fundos líquidos do sedizente devedor, que permanecerão indisponíveis às partes quando em tramitação dos embargos, para, assim fazendo, extorquir judicialmente um acordo para pagamento do devido e, não raro, do indevido.

Está se alastrando a cômoda determinação da penhora on line, bastando o credor recusar o bem oferecido em garantia

Em situações assim, com as devidas adaptações, são aplicáveis as palavras de Galeno Lacerda, no sentido de que o deferimento de liminar "constitui perigosa arma de dois gumes nas mãos do magistrado, que poderá cercear injustamente o exercício de direitos legítimos, envolvido pela cavilação do embuste ou pela falaciosa aparência do direito alegado por quem carece, na verdade, de razão. E assim há o risco, para desprestígio da Justiça, de que uma liminar, dada por inadvertência, se transforme em instrumento iníquo de pressão, para extorquir do adversário vantagens e transações indevidas." (in "Comentários ao CPC", Volume VIII, Forense, 1993). No caso, o deferimento de penhora pelo tão decantado sistema Bacen-Jud deve ser precedido de cautelas, como, aliás, dão conta inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), olimpicamente desconsiderados pelos juízes, que de forma açodada e destemperada têm patrocinado uma vulgarização deste coercitivo método de cobrança que, à evidência, se presta a acelerar e vedar as manobras procrastinatórias daqueles que, passivos em uma execução, se utilizam de subterfúgios para furtarem-se ao devido pagamento. Não obstante, muito preocupa o deferimento tão célere como inconseqüente da penhora on line como meio de acelerar a jurisdição pois, não menos certo, que tanto a jurisdição tardia, a despótica ou a rotineiramente célere e defeituosa são todas espécies do mesmo problema.