Título: Aperto orçamentário no último ano de Lula
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 05/08/2005, Brasil, p. A2

Os ministros da área econômica definem hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva as bases do Orçamento da União para 2006. Os parâmetros sugeridos pelo Ministério do Planejamento são de um crescimento de 4,5% do PIB, 4,77% de IPCA médio e reajuste de 6,86% para o salário mínimo, que passaria de R$ 300,00 para R$ 320,60. Mesmo com uma taxa de crescimento mais robusta do que os esperados 3,4% deste ano, o governo já chegou a uma dramática conclusão: no último ano do mandato de Lula o Orçamento será tão ou mais restritivo do que o deste exercício. Só com as exigências da emenda constitucional nº 29, a área da saúde receberá, em 2006, cerca de R$ 5 bilhões a mais que os gastos deste ano (R$ 32,7 bilhões), cifra que supera os R$ 4,24 bilhões autorizados como o total da movimentação e empenho do Ministério dos Transportes para 2005. O que significa que outros investimentos terão que ser comprimidos. Isso apenas por conta da indexação que foi introduzida pela emenda constitucional, ao determinar que a cada ano o orçamento da saúde será o valor do ano anterior corrigido pela variação nominal do PIB. O Orçamento que está sendo feito agora corrigirá as verbas da saúde pelo PIB de 2004, que foi particularmente elevado (aumento real de 4,9% ). Chegou-se a considerar, no governo, a possibilidade de propor ao Congresso a mudança da emenda constitucional, de setembro de 2000, até porque nela consta a janela para que essa regra seja reavaliada após cinco anos. A dimensão da crise política, a turbulência por que passa a Câmara dos Deputados e a ausência total de clima para discussões importantes como esta desaconselharam o governo a sugerir qualquer alteração, sob pena de a situação orçamentária ficar ainda mais delicada, dado que a bancada da saúde já se movimenta para aumentar a destinação de recursos públicos para esse setor. "Não há base parlamentar para votar nada e se tentarmos colocar essa discussão, pode haver um levante da bancada da saúde", comentou uma autoridade do governo. "O cenário é de muito aperto financeiro para 2006. O superávit primário de 4,25% do PIB vai continuar, o orçamento da saúde crescerá mais R$ 5 bilhões e o presidente Lula priorizou alguns programas sociais e de infraestrutura", comentou uma fonte oficial encarregada do assunto. Da lista de prioridades do presidente da República constam, além de obras pontuais de infra-estrutura, os seguintes projetos: o assentamento de 115 mil famílias no próximo ano, no âmbito da reforma agrária, além das 25 mil famílias que sobraram das metas de anos anteriores que não foram cumpridas; e a ampliação do programa Bolsa Família para 11 milhões de famílias, contra a meta de 8,5 milhões deste ano. Hoje pela manhã o presidente Lula terá uma reunião com os ministros chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, da Fazenda, Antonio Palocci, e do Planejamento, Paulo Bernardo, para fechar os parâmetros básicos do Orçamento de 2006, embora a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que orienta a confecção do Orçamento sequer tenha sido aprovada pelo Congresso. O projeto de lei orçamentária deve ser enviado ao Congresso até o dia 31 de agosto.

Não há clima para mudar a emenda da saúde

Paralelamente à elaboração das contas do próximo exercício, o governo avalia a execução de um remanejamento de recursos do Orçamento deste ano, da ordem de R$ 700 milhões. Do universo de algumas centenas de programas que foram orçados, mas não se desenrolaram, a proposta da área econômica é concentrar os recursos em uns 40 projetos que já estão em fase de execução e podem ser concluídos em 2006, ano da sucessão presidencial. Por exemplo, o Orçamento para as obras de transposição do Rio São Francisco, este ano, é de R$ 586 milhões. O Ministério da Integração Nacional não deverá conseguir gastar mais do que uns R$ 250 milhões. A parcela restante será realocada para outras obras, escolhidas a dedo por seus impactos sociais e políticos. Um pente fino foi passado também no programa piloto de investimentos (obras que não são tratadas como despesas no Orçamento, em função de entendimento com o FMI). Destes, foram remanejados cerca de R$ 760 milhões. Na área de infra-estrutura de transportes, por exemplo, para R$ 390 milhões de novos créditos abertos, foram cancelados R$ 403,95 milhões que não estavam correspondendo ao desempenho que se esperava. Esses são movimentos para dar alguma funcionalidade ao gasto público sem que se parta para uma abertura dos cofres. Nas reuniões com a área econômica, o presidente da República tem sido enfático em dois aspectos: não patrocinará abertura dos cofres públicos para fazer frente à crise política; nem pode haver paralisia do governo, o que não está sendo nada fácil evitar. Os movimentos dos partidos de oposição para "blindar a economia, proteger o presidente Lula e tocar o governo" não avançaram além das declarações de um lado e do outro porque estão sendo avaliados, no Palácio do Planalto, como uma tentativa das oposições de se apropriarem do governo do PT. O Palácio, por enquanto, aceita conversar sobre uma pauta de votações no Congresso. "Nada mais do que isso", disse um ministro. Fatos intrigantes da crise Duas semanas se passaram e a direção da Usiminas não deu um "piu" sequer sobre a contribuição, por caixa 2, de R$ 102.812,76 para a campanha do deputado Roberto Brant (PFL-MG), para a prefeitura de Belo Horizonte. O deputado confirmou que recebeu a doação através da conta da SMP&B, do empresário Marcos Valério, no Banco Rural. Transcorridos mais de dois meses da CPI dos Correios, o Ministério Público e a Polícia Federal, tão diligentes na invasão da casa do ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, na empresa Lunus, de propriedade do marido da senadora Roseana Sarney, ou no caso da Máfia do Sangue, sequer bateram à porta das casas de Delúbio Soares, Silvio Pereira, e só ontem, em Belo Horizonte, cumpriram mandados de busca e apreensão nas sedes das empresas de Marcos Valério e nas casas de duas de suas funcionárias.