Título: Incompatibilidade de agendas
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2005, Brasil, p. A2

É forte a sensação, em Brasília, de que, por acreditar na máxima de Lula sobre a existência de 300 picaretas no Congresso, o governo adotou, ao buscar maioria parlamentar , a linguagem entendida no ramo. Com isso, os principais articuladores políticos governistas, de Waldomiro Diniz a José Dirceu, foram tragados pelo pântano de onde emergem malas e roupas de baixo recheadas de meios de pagamento. Se confirmada a impressão, são péssimas as perspectivas para as propostas de "agenda mínima" que se acumulam no Planalto; a última delas foi apresentada a Lula pelos representantes do empresariado. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, dizia, na quinta-feira, no gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros: "Até outubro, não há assunto, além da reforma política, capaz de despertar atenção da casa". Na falta de um presidente na Câmara dos Deputados capaz de conduzir qualquer discussão mais séria, passarão por Renan Calheiros as negociações para fazer avançar uma agenda "mínima" ou "positiva", que leve a política além das CPIs sobre corrupção, monopolizadoras das atenções do Congresso. Calheiros está distante do trânsito Marcos Valério e do inesgotável arquivo de denúncias de Roberto Jefferson, e é, institucionalmente, um dos principais interlocutores a serem procurados. Mas também está pessimista em relação a tal agenda, porém. Renan se queixa de que o governo não sabe negociar ou não se interessa pela negociação política no Congresso, o que inviabiliza o andamento de propostas de maior dificuldade, nesse cenário anuviado pelas CPIs. Em maio, o presidente do Senado anunciou a proposta de uma "agenda do crescimento", em que medidas de difícil viabilidade econômica, como incentivos fiscais para contratação de empregados domésticos, se agregavam à tentativa de resolver questões sempre adiadas, como a regulamentação do setor de saneamento. Ao lado de sugestões como a criação de mecanismos mais transparentes de gerenciamento de gastos e licitações públicas, a agenda trazia discussões complicadas, como redistribuição de tributos e renegociação de dívidas com Estados e municípios. Calheiros reconhece o caráter polêmico de algumas propostas, mas nota a falta de trato do Planalto. "O governo, em vez de conversar, apresentou, sem consulta, outra agenda." Era a chamada agenda microeconômica, endossada pelo ministro Antonio Palocci, e apoiada por figuras de peso, como o secretário do Tesouro americano, John Snow. Ela soma medidas para simplificar a abertura e fechamento de empresas, o fim do monopólio estatal no setor de resseguros e mudanças tributárias.

É evidente a incapacidade do governo de dialogar

Sinal de que a queixa do presidente do Senado não pode ser descartada como lobby em causa própria é a apresentação de outra "agenda mínima" pelos empresários, que começa a ser debatida nesta semana. Há, nela, temas comuns à agenda de Palocci, como a da reforma das normas que regem as agências reguladoras. Mas, como demonstração de que é pequeno o diálogo da equipe econômica com os diversos grupos na sociedade, os empresários se queixam, por exemplo, de que a proposta para agências reguladoras levada ao Congresso aumenta as incertezas regulatórias. Certos itens da agenda empresarial ressaltam a lentidão decisória no próprio governo, como é o caso da regulamentação do fundo garantidor das parcerias público-privadas, um mecanismo para assegurar que o setor privado receberá pelos contratos de longo prazo a serem firmados com o setor público. Há diversos pontos em comum entre as agendas, como a ênfase na necessidade de reforma política, a racionalização da gestão de recursos públicos e a pressa em regulamentar e facilitar a vida das microempresas. Faltam, no entanto, acordos essenciais, como o que fazer com os impostos ou com o setor de saneamento. Contra as agendas, está a evidente incapacidade do governo de dialogar de forma transparente e eficiente com o Congresso, como demonstra o desnorteamento do comando político palaciano após a demissão de Diniz e a queda de Dirceu. A isso se junta a paralisia imposta pelas CPIs. "O Congresso é hoje uma delegacia de polícia", diz, desolado, o senador Fernando Bezerra. "O Senado tem 49 dos 81 membros ocupados com CPIs." Por enquanto, a única agenda com desdobramentos reais previsíveis é a da ex-secretária de Marcos Valério, Karina Somaggio, com datas e nomes que envolvem gente do governo em várias transações. Infelizmente, contrárias ao interesse público.