Título: Crescimento do Estado: uma indústria de inflação e juros
Autor: Igor Barenboim
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2005, Opinião, p. A8

Brasil taxa na mesma medida que países ricos e duas vezes mais do que a média dos emergentes

A persistência da inflação e, portanto, dos juros em níveis altos no Brasil, deve-se em boa medida ao aumento do tamanho do Estado que assistimos desde 1993. No período, a arrecadação de impostos como porcentagem do PIB subiu de 25% para 36%, enquanto despesas públicas subiram pouco menos de 10 pontos percentuais do PIB. Hoje, o Estado brasileiro taxa na mesma medida que a média dos países desenvolvidos e duas vezes mais do que a média dos países emergentes. Neste artigo, procuramos descrever o efeito do crescimento do Estado sobre variáveis-chave macroeconômicas, como inflação, taxa de juros, desigualdade de renda e crescimento potencial, a fim de mostrar que metas de superávit primário, ou de superávit nominal, são indicadores necessários, porém insuficientes para avaliar a performance e as conseqüências da política fiscal. A expansão do Estado via elevação da carga tributária e ou aumentos das despesas públicas pode elevar a dinâmica da inflação. Impostos mais altos aumentam os custos de produção com conseqüências negativas para a inflação já que, sem mudanças na estrutura de concorrência da economia, as margens de lucro são constantes no longo prazo. A dinâmica do impacto do crescimento da carga tributária na inflação dá-se do seguinte modo: quando o nível de atividade está fraco, a inflação cai pouco porque, em alguma medida, o ajuste de margens se faz necessário de imediato, e quando a economia tem crescimento forte a inflação sobe muito porque é nesse momento que as empresas retomarão suas margens sustentadas pela estrutura concorrencial de seus negócios. Portanto, produzir um superávit primário alto não é condição suficiente para neutralizar o efeito da política fiscal sobre a inflação. Além disso, despesas públicas mais altas implicam maior demanda por produtos, o que, sem contrapartida da oferta, eleva o nível de preços. Ou seja, caso o governo decida transferir mais renda ou bens para a população, e não tenha havido investimento suficiente na capacidade de produção, bens se tornarão mais escassos e, portanto mais caros. Mesmo mantendo orçamento equilibrado, o crescimento do Estado eleva a demanda porque a propensão a poupar do setor privado é mais alta do que a do setor público. Manter a inflação em xeque é crucial para a gerar um ambiente propício a negócios e, portanto, elevar o crescimento potencial. Um Estado crescente torna esta tarefa mais árdua porque, neste contexto, os juros reais necessários para atingir uma dada meta de inflação precisam ser mais elevados. Além disso, para um país com dívida pública alta, como o Brasil, possuir juros mais elevados tem um custo fiscal importante. Logo, quanto maior o crescimento do Estado, maior o superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública em um ambiente de inflação controlada. Outra conseqüência da maior carga tributária e juros mais altos é a redução do retorno e aumento do custo de oportunidade do investimento. Entraves para o investimento criam dificuldades para o crescimento sustentado porque sem capacidade produtiva apropriada o principal resultado do crescimento da demanda será inflação. Hoje o Brasil tem o maior nível de taxação entre os países emergentes e portanto precisa de salários reais mais baixos para poder concorrer mundialmente. Uma remuneração real mais baixa dos trabalhadores é alcançada com câmbio mais depreciado. Para um país que não possui moeda forte como o Brasil, uma taxa de câmbio de equilíbrio - sustentável no longo prazo - mais competitiva pode implicar a necessidade de um maior superávit primário para estabilizar a dívida pública e manter a inflação controlada. Uma taxa de câmbio mais depreciada também aumenta o custo de absorção de tecnologia e por isso pode limitar ganhos de produtividade - mais um entrave para o crescimento. Um risco oriundo da falta de competitividade é a aparente atratividade das restrições ao comércio, que diminuem o bem estar dos consumidores e elevam a inflação. Em 2004, o total arrecadado com tributos sobre importações subiu de 8% do valor total dos importados em março para 17% em dezembro. Essa mudança na cunha fiscal sobre produtos importados dificultou o processo de desinflação e reduziu o poder aquisitivo dos consumidores.

Um superávit primário alto não é suficiente para neutralizar o efeito de uma política fiscal frouxa sobre a inflação

Maiores gastos públicos também reduzem o grau de abertura do país porque o governo consome mais serviços e investe mais em obras públicas do que o setor privado, enviesando, portanto, a demanda do Estado por bens não-comerciáveis. Uma menor abertura eleva a vulnerabilidade externa, pois reduz a capacidade de reação da economia a um choque no preço da moeda estrangeira - quanto maior o tamanho do setor produtor de bens exportáveis, menos ele precisa crescer para gerar mais divisas. Portanto, quanto maior a abertura, menor deverá ser a depreciação do câmbio em um momento de parada súbita na entrada de fluxos de capitais externos. O processo de ampliação do setor público tem conseqüências nefastas para a distribuição de renda. A elevação da dinâmica inflacionária devido à queda dos salários reais, aliada à elevação dos juros líquidos da inflação, deterioram a desigualdade de renda. Em outras palavras, o aumento do Estado eleva a dinâmica inflacionária, reprimindo o retorno real do trabalho e podendo ampliar o rendimento sobre o capital - aumentando, naturalmente, a desigualdade. Uma política eficaz para impedir o crescimento da disparidade de renda é estancar o crescimento do Estado. A redução do escopo do setor público deve compreender não só a redução de despesas públicas, através de uma reforma da Previdência mais profunda e do aumento da eficiência dos gastos do governo através da desvinculação, mas também a redução da carga tributária. Uma reforma trabalhista reduzindo os encargos salariais tornará o país mais competitivo e permitirá, de forma sustentada, um câmbio mais forte, elevando, portanto, o poder aquisitivo de nossa classe assalariada. Em suma, o debate sobre política fiscal deve ir além da discussão de critério da meta de superávit. É importante atentarmos não só para a diferença entre receitas e despesas do governo, mas também para o seu tamanho em termos absolutos. As conseqüências de um Estado crescente são juros reais mais elevados, menor competitividade, salários reais mais baixos, menor produtividade, dívida pública mais alta, maior desigualdade de renda, vulnerabilidade externa mais alta e menor potencial de crescimento da economia brasileira. Logo, para sustentarmos o processo de crescimento econômico do país que se iniciou em 2004 é crucial que haja empenho na redução do tamanho do Estado. É mais fácil fazê-lo enquanto o crescimento ainda está em curso.