Título: Aos poucos, biotecnologia atrai investidor
Autor: João Luiz Rosa e Ricardo Cesar
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2005, Empresas &, p. B2

Inovação Aliança entre capital de risco e pesquisadores faz surgir novos negócios e profissionaliza o setor

Até três anos atrás, o dia-a-dia de Ana Claudia Rasera era preenchido com assuntos indecifráveis para a maioria das pessoas, mas comuns para ela - quem sabe, por exemplo, o que é reação de polimerização de cadeia? "Desde que me entendo por gente eu gosto dessa área", diz Ana, uma doutora em bioquímica. Em 2002, porém, ela passou a dividir seu tempo com questões bem diferentes. "Tive de entender o que é ebitda, fluxo de caixa, regime de competência...", conta. A mudança na vida de Ana exemplifica bem outra transição: a da incipiente indústria brasileira de biotecnologia. O setor tem atraído a atenção de investidores privados, interessados em identificar - e apoiar - acadêmicos capazes de transformar o conhecimento adquirido nas universidades em produtos potencialmente lucrativos. Dessa união, surge um número cada vez maior de empresas. O mercado está chegando ao laboratório pela via do capital de risco. "Biotecnologia é o nosso foco de investimento", diz Paulo Henrique de Oliveira Santos, diretor geral da Votorantim Novos Negócios, braço de investimento do grupo Votorantim. Em três anos, a empresa investiu US$ 20 milhões em três companhias do setor. Uma delas é a Alellyx - a companhia criada por Ana e outros três colegas. Scylla e CanaVialis são as outras duas. Há mais exemplos. A Fir Capital - que no mês passado tornou-se conhecida ao vender a fabricante de software Akwan para o Google, o site americano de busca -, também já se aproximou da biotecnologia. Entre os negócios da companhia, que administra fundos nacionais, há um empreendimento no setor. O governo é outro interessado em ajudar a transformar a pesquisa acadêmico em negócio. "Existem empresas que investem - e é desejável ter cada vez mais recursos privados -, mas os recursos públicos ainda são fundamentais", diz Paulo Péret, coordenador geral de biotecnologia da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Segundo Péret, o Fundo Setorial de Biotecnologia (CT Biotec) tem um orçamento de R$ 20 milhões para este ano, que será usado em projetos de parceria de empresas com instituições de pesquisa. Apesar desses movimentos, o fluxo de investimento brasileiro na criação de produtos de biotecnologia ainda é tímido se comparado ao mercado americano, o maior do mundo. Nos Estados Unidos existem mais de 1,4 mil companhias de biotecnologia, sendo que 314 têm capital aberto. Juntas, essas empresas valem cerca de US$ 311 bilhões. O financiamento à biotecnologia quadruplicou nos EUA em sete anos, para US$ 20,8 bilhões em 2004, um quadro no qual os fundos de capital de risco aparecem em posição privilegiada: eles respondem por 23,5% dos recursos ou US$ 4,89 bilhões. No Brasil, faltam dados sobre o setor, mas o número de empresas é estimado em pouco mais de 300. A maioria desse grupo, segundo profissionais do setor, é formada de pequenos negócios. A conta também incluiria multinacionais que vendem seus produtos de biotecnologia no país, principalmente na área médica, mas não os desenvolve por aqui. O apetite dos investidores no país tem sido despertado por um cenário de exceção: ao contrário de outras áreas, na biotecnologia criou-se uma forte comunidade científica nos últimos anos, ao redor principalmente de projetos como o Genoma. Na Alellyx, dos 100 funcionários, 30 são doutores e 50, mestres. Ou seja, não falta mão de obra especializada. Na universidade, boa parte dessa geração de cientistas especializou-se na biotecnologia verde - as aplicações para agronegócios - o que explica, agora, a concentração dos investimentos neste segmento. Os demais tipos de biotecnologia são a branca, que busca substituir o petróleo por outras fontes de energia, e a vermelha, de medicamentos. A branca também desperta muito interesse no Brasil devido à aceitação do etanol, entre outros tipos de desenvolvimento. Trata-se de uma opção estratégica. A biotecnologia verde permite às empresas nascentes concentrar-se em culturas locais, que não atraem as multinacionais porque estas têm atuação global, explica Fernando Reinach, presidente da Alellyx e diretor da Votorantim Novos Negócios. "Não queremos competir com eles e eles não têm interesse em produtos que serão usados em poucos países." É o caso da cana-de-açúcar, do eucalipto e da laranja, os alvos da Alellyx. O outro ponto é o custo. "Os orçamentos em pesquisa são absurdos, pelo menos cinco ou dez vezes o que fazemos", diz Santos, da Votorantim. Ainda assim, há casos de empreendimentos na área de saúde. Um deles é a Pelenova, que desenvolve materiais derivados de base vegetal para tratamento e cicatrização de ferimentos em seres humanos. A empresa lançou seus primeiros produtos no ano passado e conseguiu a aprovação de 15 instituições de saúde, diz Marcos Silveira, diretor-presidente da companhia. Agora, Silveira pretende lançar novas aplicações para a tecnologia desenvolvida e começar a exportá-las em um ano. Outro exemplo de biotecnologia vermelha é a Biocancer, especializada em pesquisa clínica para a validação de novos medicamentos. A companhia foi criada por Alberto Wainstein, no fim de 2003, depois que o empresário conseguir um aporte de fundos de capital de risco. Além do dinheiro, um fator importante para criar empresas competitivas é a experiência que os fundos podem transmitir aos pesquisadores. "No laboratório, o planejamento é de meses; na empresa, de anos", diz Ana Rasera. "Não posso me dedicar a uma reação química só porque é interessante. Tenho de saber quanto ela pode gerar de retorno." A tarefa pode ser difícil, mas Ana tem aprendido que vale a pena fazer a lição de casa. Entre outras descobertas, a Alellyx já identificou o vírus da morte súbita da laranja - uma praga que ataca as plantações - e desenvolveu patentes que vão da cana à celulose.