Título: STJ decide divisão da venda do Real
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2005, Finanças, p. C1

Disputa Minoritários querem o rateio de US$ 2 bilhões recebidos pelo ex-controlador

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide, nesta terça-feira, se os acionistas minoritários do Banco Real têm direito à participação na venda da instituição para o ABN AMRO, em 1998. A ação é movida por 73 mil minoritários contra o ex-controlador do Real, Aloysio de Andrade Faria. De acordo com os minoritários, Faria promoveu alterações na estrutura societária do banco, por meio de permutas com empresas, de modo que o seu patrimônio na ocasião da venda foi contabilizado em R$ 220 milhões. Mas o o advogado dos minoritários, Nabor Bulhões, sustenta que na verdade Faria recebeu sozinho US$ 2 bilhões pela venda do Real. Segundo o advogado, o banqueiro retirou um bloco de ações das sociedades abertas, nas quais era controlador, por R$ 220 milhões, para o seu patrimônio e, logo em seguida, revendeu-as por US$ 2 bilhões. "Posso dizer que ele exerceu o poder de controle no Real em interesse próprio, e não das sociedades", alega Nabor. Agora, os minoritários querem dividir os US$ 2 bilhões em 73 mil cotas. Elas seriam separadas de acordo com a quantidade de ações que cada um tinha no momento da venda do Real. Os minoritários incluem na divisão a parcela de Faria. Ele detinha 62,45% do capital votante do banco, na época da venda. Os acionistas só não querem que o banqueiro fique com todo o "bolo" da venda para a ABN AMRO. O caso é considerado inédito, pois será a primeira vez que um tribunal superior decidirá sobre o poder do controlador de um banco diante do interesse dos minoritários. Mas, dificilmente, passará pelo STJ alheio a polêmicas. "Estamos numa hipótese em que minoritários pretendem uma parte do controle, o que significaria um enriquecimento ilícito ou sem causa", afirmou ao Valor o advogado Sérgio Bermudes, que representa Aloysio Faria. Ele considera absurda a pretensão dos minoritários. "O Dr. Aloysio era o controlador do Real. Ele, em última análise, era quem detinha o poder de decisão nas assembléias de todas as sociedades que vinham abaixo até a controladora imediata do banco. Ele fez uma cisão para tornar possível a alienação do Real e ficou com o prêmio do controle", alega Bermudes. Segundo o advogado, o Artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas, vigente na época da venda para o ABN AMRO, permitia a realização das operações feitas por Faria. "As operações foram feitas às claras. O que se fez foi uma cisão das sociedades controladas pelo Dr. Aloysio para não prejudicar os minoritários. Eles dizem que foram prejudicados, mas por não terem obtido o prêmio (pela venda do banco). Só que o prêmio era do controlador." Bermudes ressaltou que a cisão foi feita nos mesmos moldes da venda da Telebrás, realizada no mesmo ano. A venda do Real foi aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pelo Banco Central e por decreto presidencial. Mas isso não convenceu os minoritários, que se dizem prejudicados. "O que a parte adversa sustenta é que, à época, Aloysio Faria poderia exercer o poder de controle", rebateu Nabor Bulhões. "Respondemos que o exercício deste poder deve ser exercido no interesse das sociedades, e não do controlador", completou o advogado. Segundo Bulhões, Faria exerceu o controle do Real abusivamente. "Ele recebeu US$ 2 bilhões em ativos dentro e fora do país, de sociedades cujo patrimônio eram ativos financeiros líquidos. Assim, agiu em conflito de interesse com as sociedades abertas que administrava. Isso foi um golpe não só nos acionistas, mas no BC e na CVM", argumenta. Os minoritários tentarão obter no STJ a quantificação do suposto prejuízo que teriam sofrido com a venda do Real. A tarefa será difícil, pelo menos no entendimento de Sérgio Bermudes. "Houve prejuízo para os minoritários? Não, de jeito nenhum. Primeiro, eles não mostram o prejuízo. Em segundo lugar, eles ficaram numa sociedade cindida com o mesmo número de ações", reiterou o advogado. Em lados opostos na causa, Sérgio Bermudes e Nabor Bulhões concordam com apenas um fato: a decisão do STJ será paradigmática. "Sem dúvida, formará jurisprudência", disse Bermudes. "É o primeiro caso com essa conformação que será julgado pelo STJ", ressaltou Nabor. O relator do processo é o ministro Barros Monteiro. Também haverá repercussão no meio acadêmico. Segundo as advogadas Fernanda Hernandez e Silvana Endress, o caso "Real versus minoritários" está sendo debatido na FGV e na USP com o que definirá o limite do acionista controlador sobre os demais. Há uma enorme expectativa na área jurídica e na área econômica, completou Alexandre Martignago.